Vandré se destaca também, à época, pela extraordinária trilha musical do filme A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, na qual pontificam "Réquiem para Matraga", "Modinha" ("Rosa, Hortência e Margarida") e a vigorosa “Cantiga Brava”.
E confirma a boa fase com “Disparada”, dele e Théo de Barros, uma das vencedoras do 2º Festival da Música Popular Brasileira que a TV Record promoveu em setembro/outubro de 1966.
Épico sertanejo, “Disparada” coroa as pesquisas de Vandré no sentido de definir um idioma musical comum ao Centro-Nordeste e às pessoas egressas dessas regiões que se estabeleceram no chamado Sul Maravilha, mas ainda traziam as marcas do êxodo rural.
É a saga do peão que, após longo tempo cumprindo tarefas subalternas (“na boiada já fui boi”), ascende a boiadeiro, “por necessidade do dono de uma boiada/ cujo vaqueiro morreu”.
Contar com uma montaria é uma verdadeira realização para aquele homem simples (“mas, o mundo foi rodando/ nas patas do meu cavalo”), até que, de repente, ele acorda de sua euforia e se descobre “valente lugar-tenente/ de dono de gado e gente”.
E recusa a condição de braço-direito do latifundiário, “porque gado a gente marca,/ tange, ferra, engorda e mata,/ mas, com gente é diferente”.
A interpretação foi de Jair Rodrigues, que abria um largo sorriso no trecho mais dramático da música.
Chamou a atenção o uso da queixada-de-burro, na verdade mais uma atração exótica do que qualquer outra coisa.
“Disparada” dividiu o primeiro lugar com “A Banda”, de Chico Buarque, cantada pelo autor e Nara Leão. O público praticamente se dividiu meio na torcida por essas canções, atribuindo aos adversários, com muito humor, a alcunha de bandidos e disparatados...
Carioca radicado em São Pulo, Chico em pouco tempo saltou da boêmia universitária para a consagração nacional, apontado como um novo Noel Rosa.
As letras de precoce desencanto faziam a delícia das mocinhas românticas, como também sua timidez e os paparicadíssimos olhos verdes. Suas composições mais características eram do tipo “Meu Refrão”, “Olê Olá” e “A Banda”, com lirismo, tristeza, nostalgia e rimas certinhas.
Vez por outra incursionava no campo das preocupações sociais, mais por influência do ambiente político que frequentava. O exemplo mais conspícuo é “Pedro Pedreiro”.
Fãs menos atentos acabaram identificando-o também com os poemas (de João Cabral de Melo Neto) que musicou para a peça famosa do Tuca, “Morte e Vida Severina”.
O público teve participação intensa neste festival, praticamente se dividindo no apoio à “Disparada” e “A Banda”. Os torcedores xingavam uns aos outros de “bandidos” e “disparatados”...
No 2º lugar, “De Amor ou Paz”, de Luís Carlos Paraná e Adauto Santos, por Elza Soares.
3º, “Canção para Maria”, de Paulinho da Viola e Capinan, por Jair Rodrigues.
4º, “Canção de Não Cantar”, de Sérgio Bittencourt, pelo MPB-4.
5º, “Ensaio Geral”, de Gilberto Gil, por Elis Regina (um erro de cálculo do Gil: pensando que a fase ainda fosse de marchas-ranchos, inscreveu uma espécie de “Porta-Estandarte 2”...).
Como melhor letra ficou a belíssima "Um Dia" ("Eu não estou indo embora/ 'tou só preparando a hora/ de voltar"), do saudoso Caetano Veloso de antes do endeusamento e da máscara -- na definição lapidar de Paulo Francis, o Caetano que era um ser humano vulnerável, sensível, e um dia foi parar na PE do Rio, "mas isto foi em outro país e aquele rapaz morreu". Segundo os jornais da época, a péssima dicção de Maria Odete prejudicou acentuadamente a classificação de “Um Dia”.Para fechar um grande ano desses certames, houve ainda o 1º Festival Internacional da Canção, em outubro, no Maracanãzinho (RJ).
Vitória da pífia “Saveiros”, de Dori Caymmi e Nelson Motta, por Nana Caymmi. Convencional, com impacto zero.
Mesmo não sendo nenhum assombro, a vice merecia melhor sorte: “O Cavaleiro”, de Geraldo Vandré e Tuca, pela segunda. O compositor paraibano continuava seguindo as pegadas de Guimarães Rosa, só que numa ótica mais politizada.
A seguir, “Dia das Rosas”, de Luís Bonfá e Maria Helena Toledo, com Maysa.
As agradáveis “Beira Mar” (Gil/Caetano) e “Minha Senhora” (Gil/Torquato Neto) passaram despercebidas.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia. Tem um ativo blog com esse mesmo título. Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.