Morte de Jean Charles é lembrada em Londres
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Quarta, 22 de Julho de 2015 às 07:23, por: CdB
No dia 22 de julho de 2005, o jovem imigrante Jean Charles de Menezes deixou seu apartamento em Tulse Hill, no sul de Londres, para realizar um serviço como eletricista. Assim que cruzou a porta do edifício, um aparato de vigilância da Polícia Metropolitana da cidade (conhecida como Scotland Yard) entrou em ação. Também foi o ponto de partida para uma cadeia de erros que colocaria um fim prematuro à vida do brasileiro de 27 anos.
Sem saber, Jean Charles passou imediatamente a ser seguido por agentes da polícia. Na época, Londres experimentava a tensão causada por uma série de atentados no transporte público que causaram a morte de 52 pessoas em 7 de julho. Duas semanas depois, no dia 21, diferentes grupos de terroristas haviam tentado repetir a façanha, mas sem sucesso. A polícia então deu início a uma caçada pelas ruas da capital britânica.
Um dos terroristas procurados era o etíope Hussain Osman, que havia tentando detonar uma mochila com explosivos em um trem. O material não explodiu, e, dentro da mochila, policiais encontraram uma carteirinha de academia de Osman, onde constava seu endereço. Era o mesmo prédio em que Jean Charles morava.
De acordo com as investigações que se seguiram após a morte de Jean Charles, os policiais que estavam de tocaia na entrada do bloco de apartamentos, aguardando o terrorista, só receberam fotografias de baixa resolução de Osman. Assim que Jean Charles cruzou a porta, a polícia cometeu seu primeiro erro ao suspeitar que ele pudesse ser o terrorista. Para piorar, nenhum agente filmou ou fotografou Jean Charles quando ele saiu. O registro e o posterior envio das imagens para a central poderia ter ajudado a desfazer a confusão.
A tocaia prosseguiu por várias ruas. Jean Charles embarcou em um ônibus em direção à estação de metrô de Brixton, mas o local estava fechado. O brasileiro fez uma ligação, voltou para o ônibus e se dirigiu para a estação de Stockwell, mais distante. Os policiais começaram a achar o comportamento do brasileiro suspeito e começaram a ficar cada vez mais convencidos que se tratava de um dos terroristas que havia tentado explodir o metrô no dia anterior. Apesar disso, nenhum dos policiais envolvidos jamais teve a certeza de que se tratava de Osman.
Morte
Uma série de ordens e informações confusas tornaram o cenário mais caótico. Baseado nas informações dos policiais que estavam seguindo Jean Charles, o comando da polícia ordenou que o suspeito fosse impedido de entrar na estação. A partir daí, policiais armados assumiram a operação.
Mesmo com a ordem de que o suspeito fosse impedido de entrar na estação, Jean Charles entrou normalmente nas instalações de Stockwell. Logo após ele entrar e sentar no vagão de um trem, um dos policiais segurou a porta e gritou para o resto da equipe "Ele está aqui!". Os policiais então agarraram Jean Charles.
Pouco depois, o primeiro disparo foi ouvido. No total, dois policiais dispararam nove tiros, sete deles diretamente na cabeça de Jean Charles.
Recentemente, a polícia havia determinado que, em casos envolvendo um potencial terrorista suicida, os agentes deveriam mirar diretamente a cabeça, evitando que um disparo em outras partes do corpo pudesse detonar uma bomba.
Os policiais usaram ainda projéteis de ponta côncava, semelhantes às balas do tipo dundum, considerados mais letais, já que se expandem e estilhaçam após penetrar no corpo. Jean Charles foi declarado morto no local.
Foi o fim da trajetória do brasileiro nascido em Gonzaga, Minas Gerais, e que havia se mudado para o Reino Unido em 2002. Como tantos outros brasileiros que tentam a sorte no exterior, Jean Charles queria uma vida melhor para si e para os familiares que ficaram no Brasil.
Consequências
Dois anos depois, a polícia de Londres foi condenada a pagar uma multa de 175 mil libras por violar padrões de segurança e saúde no caso. A polícia ainda teve que pagar as custas legais do processo, no valor de 385 mil libras.
Para indignação da família, o Ministério Público do Reino Unido decidiu não processar nenhum policial individualmente. Em 2008, uma investigação da Independent Police Complaints Commission (IPCC), órgão responsável por investigar denúncias contra a polícia, concluiu sua análise do caso e listou todos os erros que foram cometidos durante a operação. Ainda assim, a comissão sugeriu que nenhum policial deveria ser processado individualmente. Em 2009, a família e a polícia acertaram uma indenização de valor não revelado.
Aos poucos, a trágica história de Jean Charles foi sumindo da imprensa brasileira e britânica.
Em junho de 2015, quase dez anos depois da morte do brasileiro, o caso voltou a despertar atenção quando a família do brasileiro finalmente reiniciou sua luta para tentar punir os policiais envolvidos.
Nesse mês ocorreu uma audiência preliminar na Corte para analisar o caso. Ainda em 2008, a família havia apresentado uma ação no tribunal para contestar a decisão do Ministério Público britânico de não processar os policiais individualmente.
Os representantes da família Menezes invocaram o Artigo 2º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que determina investigações apropriadas de mortes envolvendo o Estado nos 28 países-membros da União Europeia.
- Há dez anos nossa família luta para conseguir Justiça para Jean porque acreditamos que os policiais devem ser responsabilizados pela morte. A morte de Jean é uma dor que nunca vai embora - afirmou Patrícia da Silva Armani, prima de Menezes, durante a audiência.
- Nada poderá trazer Jean de volta, mas esperamos que essa ação possa mudar as leis para que outras famílias não tenham que enfrentar o que passamos.