Marina e a discriminação dos evangélicos
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Quinta, 28 de Agosto de 2014 às 12:07, por: CdB
Faz uma semana, quando decidi votar em Marina, a candidatura da acriana negra, pobre e com « cara de fome », no dizer de Rita Lee, era apenas um protesto sem futuro. Hoje, ao escrever de novo sobre ela, não me pergunto se meu texto poderá convencer algum eleitor a votar em Marina, porque, em apenas sete dias, o quadro mudou e sua vitória é quase certa.
Isso me livra da responsabilidade de fazer proselitismo e me deixa à vontade para escrever sobre esses poucos dias que reviravoltaram a campanha presidencial.
Desnecessário dizer do espanto com que alguns receberam minha decisão, mas o exercício do jornalismo me deu uma extraordinária sensibilidade e experiência em termos de política, enquanto o exílio e a vida em diversos países me aguçaram o sabor pela liberdade e pela escolha de caminhos não batidos.
Nestes dias, nos quais praticamente se consumou uma revolução, o que me chamou a atenção, nas redes sociais, foi o estilo agressivo e rancoroso de tantos imãs e jiadistas, revoltados com a virada do destino.
E leio, como um remake de filme de doze anos atrás, quando a grande imprensa, os políticos da elite brasileira e até atriz de telenovela alertavam quando ao risco de chegar à presidência um analfabeto, operário de quatro dedos, que não entendia bulhufas de administração e ainda por cima tinha o apoio da esquerda. Haverá logo uma crise institucional, alertavam, propagando o medo, porque ele é um incapaz.
Falavam do nosso querido Lula, que com toda sua « ignorância » questionou o regime das capitanias hereditárias, vigente fazia mais de quatrocentos anos no país, e apeou as elites para dar ao povo sua chance de chegar ao governo, enquanto iniciou o pagamento da dívida contraída com a escravidão e a ainda recente semiescravidão.
Agora ressurgem as mesmas frases, a mesma campanha de desestabilização, a mesma provocação do medo com relação a Marina, em cujo rosto e gestos se podem ler as marcas e chagas deixadas por sua infância de menina pobre e sofrida, seringueira analfabeta até a adolescência, retrato fiel e conforme de tantas mulheres e de tantos homens de um Brasil ainda recente.
E um outro defeito maior se ajunta à soma dos defeitos da pobre acriana – ela é evangélica, pior portanto que Lula. E o ser evangélica, logo é traduzido como sinônimo de reacionária, retrógrada criacionista, homofóbica e assim por diante.
Eu pessoalmente não sou praticante de nenhuma religião e sou um defensor da laicidade. Porém, ao me debruçar sobre o significado de tanta intolerância, num país democrático, onde cada pessoa pode escolher e professar qualquer religião, descobri que, na verdade, não se trata de uma intolerância religiosa, mas na rejeição de sempre, a exclusão social.
Os franceses huguenotes tentaram criar no Rio de Janeiro, na época de Mem de Sá, um lugar onde pudessem fugir da perseguição religiosa. Não conseguiram e o protestantismo só começou a existir no Brasil por volta de 1850 com a chegada dos primeiros missionários presbiterianos e batistas. Mas nunca chegaram a ser muitos. Os primeiros pentecostais chegaram em 1910 e as denominações evangélicas populares do tipo « cura divina » só começaram a vir ao Brasil na decada 1950, quando começou o processo de compras de rádios e, mais tarde, em 1970, com compras de canais de televisão.
O crescimento dos evangélicos é recente e enquanto as denominações tradicionais como presbiterianos e batistas reúnem cerca de 3 milhões de fiéis, os evangélicos de todas as tendências são mais de 30 milhões.
E uma constatação é marcante, comprovada por pesquisadores – esse fenômeno religioso se manifesta nos segmentos pobres da população, cerca de 70% dos evangélicos ganham apenas um ou dois salários mínimos. O crescimento vertiginoso dos evangélicos ocorreu nas profissões mal pagas, empregadas domésticas, choferes, trabalhadores em construções, com nível escolar mínimo.
No evangelismo mais popular não há uma direção central e cada igreja se comporta como uma célula independente. Por isso, não há necessidade de teólogos como pastores, mas a leitura das chamadas Sagradas Escrituras é suficiente junto com « o dom da palavra », mesmo porque « a mensagem vem do Senhor ».
Ou seja, o evangelismo é carimbado e considerado como uma religião dos pobres e humildes, a religião dos cidadãos de segunda classe. E é essa a razão da discriminação e da estigmatização dos evangélicos, a de não ser uma religião das patroas e dos patrões, mas da classe inferior. Estamos, portanto, no terreno dos preconceitos sociais.
Mesmo porque, em termos de dogma ou sacramentos, não há grandes diferenças entre doutrina evangélica e católica. O novo Papa tem mostrado aberturas, mas os anteriores João Paulo II e Bento XVI eram a encarnação de uma rigidez religiosa das mais estritas – a Igreja continua sendo contra o aborto, contra o casamento dos homossexuais e contra os avanços tecnológicos em matéria de concepção.
Portanto, não há nenhuma grande diferença dogmática entre o credo da igreja Católica e a igreja dos evangélicos na qual, na verdade, os pobres buscam um refúgio e conforto, que para a classe média pode ser dado pelo psiquiatra.
Quanto ao criacionismo, lembro-me de noticias dando conta da crença criacionista de Garotinho e sua esposa, que pretendiam colocar no currículo escolar. Ora, na sua entrevista para a Tv Cultura, no programa Roda Vida, Marina afirmou não ser criacionista, mas acreditar ter sido Deus quem criou o mundo. Ora, tirando-se os ateus como eu, há um consenso geral nisso.
Marina não é, portanto, a retrógrada religiosa pintada por alguns. Ao contrário, comunga numa religião cuja maioria são pobres e excluídos sociais e isso lhe dá ainda mais autenticidade.
Rui Martins jornalista e escritor, editor do Direto da Redação.