Rio de Janeiro, 21 de Janeiro de 2025

Mad BC?

Arquivado em:
Sexta, 25 de Fevereiro de 2005 às 10:05, por: CdB

Em dezembro de 2003, fui a Belo Horizonte fazer uma apresentação sobre perspectivas da economia brasileira, a convite de uma empresa voltada em grande medida para a exportação. Um profeta instalado na platéia perguntou: "O senhor considera possível um dólar a R$2,60?". Respondi: "Só se o Banco Central enlouquecer".

Bem. Chegamos lá. As exportações ainda não acusaram o golpe e continuam crescendo a taxas elevadas. Contudo, desde agosto de 2004, o dinamismo das importações tem sido quase sempre ainda maior. Além disso, diversas outras despesas no exterior (viagens internacionais, aluguel de equipamentos, serviços de computação, lucros e dividendos, entre outras) cresceram muito no início deste ano, refletindo em parte a grande valorização cambial. Essa valorização do real desencoraja investimentos novos nos setores que exportam e naqueles que concorrem com importações no mercado interno. Conseqüência: está sendo progressivamente solapada a nossa capacidade de sustentar resultados positivos nas contas externas.

O governo e o Banco Central despertaram tardiamente para o problema e agora estão correndo atrás do prejuízo, sem grande sucesso por enquanto. O pior é que na raiz da excessiva valorização está a ação do próprio Banco Central, que insiste em praticar juros crescentemente alucinados. Como o Brasil registra as maiores taxas de juro do mundo estatisticamente conhecido, existe um estímulo permanente para o ingresso de capitais de curto prazo ou especulativos, provocando excesso de oferta de moeda estrangeira.

O Banco Central poderia intensificar a compra de reservas, absorvendo o excesso de oferta. Isso traria dupla vantagem: ajudaria a conter a queda do dólar em relação ao real e reforçaria as nossas reservas internacionais, que ainda são relativamente baixas. Um problema é que, com as taxas de juro fixadas pelo próprio Banco Central, o custo de carregar reservas é extremamente elevado. A outra opção seria desestimular a entrada de capitais por meio de impostos ou depósitos compulsórios sobre ingressos de curto prazo, prazos mínimos sobre empréstimos e títulos externos ou outras restrições. Essa opção conflita, entretanto, com a orientação e os preconceitos liberais que predominam na equipe econômica.

O melhor mesmo seria praticar taxas de juro mais decentes. O radicalismo da política monetária passou dos limites e parece mesmo ter chegado às raias da insanidade. A rejeição a essa política é crescente, inclusive dentro do próprio governo. No passado recente, alguns ministros de Estado - o do Desenvolvimento, o da Agricultura e o do Trabalho, por exemplo - chegaram a criticar publicamente a combinação de juros elevados e câmbio valorizado.

Fora do governo, aumenta o descontentamento da maioria dos setores. Indústria, comércio, agricultura, trabalhadores - todos reclamam em tom cada vez mais agressivo. Na semana passada o presidente da Fiesp, por exemplo, declarou: "Todo mundo enxerga que o dólar nessa cotação e os juros altos atrapalham a exportação, menos uma meia dúzia de técnicos que têm poder demais, lá no Banco Central".

Como se sabe, a exceção é o sistema financeiro, que mantém uma relação simbiótica com a direção do Banco Central. As instituições financeiras privadas nacionais e estrangeiras, que são a origem e/ou o destino dessa "meia dúzia de técnicos que têm poder demais", estão bastante satisfeitas.

Nesta semana, o Itaú divulgou o seu balanço de 2004, que registra excepcional lucratividade. Outros grandes bancos também apresentaram números muito favoráveis. Por ocasião da divulgação do balanço do banco, o presidente do Itaú declarou que o Banco Central tem acertado mais do que se poderia imaginar e que as altas de juros se mostraram corretas.

A exemplo daquele personagem de Shakespeare, poderíamos dizer: "Though this be madness, yet there is method in't" ("Embora isso seja loucura, há método nela").

Paulo Nogueira Batista Jr., <

Tags:
Edições digital e impressa
 
 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo