Locarno – Filme israelense com ator palestino

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Publicado sábado, 9 de agosto de 2014 as 19:00, por: CdB
Atriz israelense e ator palestino no filme israelense em Locarno
Atriz israelense e ator palestino no filme israelense em Locarno

Momento mais atual para o filme não se poderia ter: o governo de Israel continua bombardeando a Faixa de Gaza, enquanto o movimento palestino Hamas ganha a guerra midiática e a ONU imita a Suíça, condenando tanto o Hamas por usar a população civil como escudo humano como Israel por causar vítimas civis ao destruir os túneis, protegidos por escudos humanos, de onde partem os mísseis do Hamas sem atingir alvos.

É dentro desse contexto que foi exibido na Piazza Grande o filme israelense com roteiro e principal ator palestino, tendo por título Dancing Arabs. Esse é o mesmo título do livro bestseller de Sayed Kashua, árabe israelense fazendo parte dos 20% de árabes que vivem em Israel, mesmo porque Kashua dirige um programa cômico na televisão israelense com alto Ibope em termos de espectadores. O título do livro era uma referência às danças de regozijo quando caiu um míssel em Israel, no início da guerra louca de Bush contra o Iraque. Situação igual também ocorrera depois do ataque dos dois aviões sequestrados e transformados em bombas contra o World Trade Center, de Nova Iorque, onde morreram três mil vítimas civis.

Como se percebe é preciso muita ousadia para se lançar na adaptação de um livro de autor árabe palestino, no qual se fala de paz e entendimento entre palestinos e israelenses, quando o ódio é agora moeda corrente entre essas duas populações e mesmo se exportou para todo o mundo. Não deve haver tema mais controvertido e gerador de discórdias, divergências e mesmo vias de fato, quando Israel continua criando novas colônias nos territórios ocupados a ponto de inviabilizar a criação de dois Estados e quando o Hamas rejeita qualquer possibilidade de aceitar a existência de Israel.

Ora, o filme Dancing Arabs entra nesse terreno minado e mostra a intolerância de ambos os lados, com a personagem de um jovem palestino brilhante em matemática no secundário, pelo que foi aceito a frequentar um prestigioso colégio interno israelense, mesmo tendo um pai considerado terrorista por ter participado das manifestações que precederam a primeira Intifada, ainda na época de Yasser Arafat.

Eyad tem duas experiências importantes nessa sua nova vida, depois de ter deixado os pais e ido viver no internato – se apaixona por uma colega israelense, Naomi, e tem como melhor amigo um jovem israelense, Jonathan, sofrendo de distrofia muscular, que vive numa cadeira de rodas e logo entra numa fase terminal sem movimentos.

Quando Naomi tenta sondar sua mãe sobre qual seria sua reação caso namorasse um palestino, ouve a seguinte resposta – “preferiria que você fosse lésbica ou tivesse um câncer”. Do lado da família de Eyad, a reação não seria diferente.

Por fim, a própria Naomi rompe o namoro para poder ter uma vida normal dentro da sociedade israelense, mesmo se Eyad tivesse abandonado o colégio para protegê-la. Em todo caso, Eyad tinha percebido a impossibilidade de se prosseguir com o namoro, evitando-se assim um repetir de Romeu e Julieta.

Logo depois, Jonathan morre e a opção tomada por Eyad, proposta pelo autor Sayed Kashua, é a de renunciar à sua nacionalidade palestina para assumir a nacionalidade israelense de seu amigo Johathan, com o qual tinha semelhança física possibilitando uma simples troca dos documentos de identidade.

Para não haver dúvidas futuras, a mãe de Jonathan aceita que seu filho seja enterrado segundo o rito muçulmano com o nome de Eyade que, por sua vez, assume a nacionalidade israelense do amigo.

Esse o ponto fraco do filme, mesmo se seu realizador Eran Riklis, é autor de outros filmes sobre as relações entre israelenses e palestinos – a opção de trocar a nacionalidade palestina pela israelense ou a perda de identidade palestina é inaceitável na busca da paz entre israelenses e palestinos.

Porém, Eran Ricklis deixa claro ter seguido o livro original. Mas essa solução de perda da identidade talvez tenha sido ironia do autor, mostrando qual é, no momento, a única solução possível de paz, no contexto atual entre israelenses e palestinos.

Rui Maartins, de Locarno, convidado pelo Festival de Cinema.