Itália continua caçando Cesare Battisti, hoje um sexagenário pacato e combalido, com esposa e filho brasileiros.
Notícia desta 2ª feira, 25, do jornal O Globo:
"Condenado à prisão perpétua na Itália e mantido no Brasil após decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu último dia de governo em 2010, o italiano Cesare Battisti corre o risco de perder o direito de permanecer no país.
Em sigilo, o governo da Itália apresentou pedido para que o presidente Michel Temer reveja a decisão de Lula que garantira a Battisti residência em território brasileiro, evitando uma extradição para cumprir a pena em seu país de origem.
O pedido está no Palácio do Planalto, e já foi submetido a uma primeira análise técnica. Agora, cabe à consultoria jurídica da Presidência da República emitir um parecer. Até agora a gestão de Temer não encontrou problemas jurídicos que impeçam uma nova decisão sobre o caso.
Segundo integrantes do governo, dois ministros já teriam dado sinal verde para um ato de Temer a favor do pedido italiano: o ministro da Justiça, Torquato Jardim, primeiro a analisar a demanda do governo estrangeiro; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, por considerar o ato como um gesto importante diplomaticamente.
Do ponto de vista jurídico, o governo já encontrou uma fundamentação em súmula do Supremo Tribunal Federal de 1969, tradicionalmente citada por especialistas em direito administrativo. Essa súmula, que resume o entendimento da Corte sobre tema específico, diz que "a administração pode anular seus próprios atos" quando houver vícios ou revogá-los "por motivo de conveniência ou oportunidade". Ou seja, um ato de Lula pode ser revisto por Temer.
Mas, por enquanto, o presidente prefere ficar longe do tema. E, neste momento, não deve haver decisão, apesar das pressões. Oficialmente, o governo é ainda mais cauteloso. Procurada pelo Globo, a presidência da República disse que o assunto não está sendo tratado no Palácio do Planalto. O Globo confirmou, no entanto, que o pedido formal foi feito pelas autoridades italianas e o processo remetido ao governo brasileiro.
As tratativas para a extradição de Battisti começaram no ano passado. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi chegou a declarar publicamente que esperava por uma mudança de posição brasileira sobre Battisti na gestão de Temer. Na época, Renzi evitou confirmar se sua administração pretendia tomar a iniciativa de pedir a revisão da decisão de Lula. O assunto passou a ser tratado, então, com discrição pelas autoridades.
Primeiro, o pedido foi levado por representantes do governo italiano ao então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. O caso voltou a ser tratado com o sucessor dele na pasta, o deputado Osmar Serraglio.
Cesare, o 1º da esq. p/ a dir., ao ser julgado na Itália. |
O porta-voz do pedido junto ao governo brasileiro foi o embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini. Ele teve uma série de reuniões com autoridades brasileiras. Procurado pelo Globo o embaixador não quis falar sobre o assunto.
A divulgação do pedido italiano antes de Temer tomar a decisão preocupa as autoridades daquele país. Há receio de que Battisti acione sua rede de proteção no Brasil e tente travar, pela via judicial, um eventual novo ato que o presidente da República pode tomar.
A preocupação das autoridades italianas é baseada na conduta do próprio Battisti. Logo após Renzi declarar que gostaria de ver uma mudança de posição do governo brasileiro na gestão Temer, o italiano, condenado pelo assassinato de quatro pessoas em seu país entre 1977 e 1979, recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
Em setembro, o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido feito pela defesa de Battisti para que fosse concedido um habeas corpus preventivo. Fux alegou que não havia nada de concreto na ocasião que justificasse o temor do italiano.
Na decisão, o ministro do STF lembrou, entretanto, que o presidente da República tem poder para tomar decisões relacionadas à presença de estrangeiros no país. Fux citou o julgamento do próprio STF em 2009, quando, após uma grande polêmica e numa votação apertada, os ministros entenderam que Battisti deveria ser extraditado para a Itália, mas caberia ao presidente da República decidir se iria ou não executar a extradição.
Lançando livro na França, em 2004. |
Lula passou quase um ano para decidir o que fazer. No último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, uma edição extra do Diário Oficial publicou a decisão: parecer da Advocacia Geral da União dizia que a extradição não precisaria ser obrigatoriamente cumprida, e Lula deixou Battisti viver no Brasil.
Após a negativa de Fux ano passado, a defesa de Battisti recorreu de novo. O processo tramitou no plenário virtual do STF, um sistema em que cada ministro apresenta seu voto por computador. Os advogados do italiano ainda tentaram argumentar que o caso era polêmico e merecia ser levado a julgamento no plenário tradicional em que as sessões são transmitidas pela TV Justiça. O pedido foi rejeitado.
Em maio deste ano, a maioria dos ministros, no plenário virtual, seguiu voto de Fux, e entendeu que não havia motivos para conceder um salvo-conduto a Battisti. O processo foi arquivado na semana passada.
A última notícia que se tem dele é que estaria morando na cidade de Rio Preto, no interior de São Paulo, onde fez tratamento pelo SUS contra hepatite C. No último recurso que enviou ao STF, o italiano informou ter se casado com a brasileira Joice Passos dos Santos, em 2015. A Justiça de São Paulo reconheceu que o italiano é pai de um menino, nascido em novembro de 2015..."
Celso Lungaretti:
Com seu costumeiro viés reacionário, O Globo chega ao absurdo de continuar desinformando os leitores sobre a segunda condenação italiana de Cesare Battisti, inteiramente lastreada em declarações mentirosas de delatores premiados que tranquilamente descarregaram sobre ele as próprias culpas, supondo que estivesse a salvo da vendetta italiana graças à solene promessa do presidente francês François Mitterrand (este assegurara aos perseguidos políticos da Itália o direito de viverem e trabalharem em paz na França, desde que não retomassem a militância política).
Casamento de Battisti com Joice Lima em junho de 2015 |
Assim como agora, a Itália aproveitou a troca de mandatário para tentar obter o troféu há muito ambicionado pelos conservadores e pelos neofascistas de lá: a extradição do escritor que denunciava as arbitrariedades policiais e as farsas jurídicas dos anos de chumbo na Itália, para poder silenciá-lo, trancafiando-o numa masmorra sob regime carcerário extremamente desumano, causador de um sem-número de suicídios de contestadores políticos.
Quanto à desinformação a que aludo acima, trata-se da referência a QUATRO assassinatos. Era a fábula que constava inicialmente da acusação, mas a defesa de Battisti demonstrou a inexistência de tempo hábil para ele locomover-se entre duas cidades distantes onde o grupo Proletários Armados pelo Comunismo desenvolveu duas ações praticamente simultâneas.
Como o processo era grotesco e burlesco, os promotores simplesmente deram o dito por não-dito, passando a inculpar Battisti por responsabilidade direita em três homicídios e autoria intelectual do quarto (embora jamais tivesse ficado estabelecido que ele fosse o planejador de ações do PAC; na verdade, já deixara este agrupamento quando os fatos ocorreram).
E, no Brasil, o tendenciosíssimo relator do processo de extradição no Supremo, Cezar Peluso (um fanático defensor dos dogmas do catolicismo medieval), preferiu adotar a versão derrubada e alterada do que ser fiel aos autos italianos; no que foi caninamente seguido pela grande imprensa brasileira, apesar da infinidade de didáticos desmentidos que Carlos Lungarzo, Rui Martins e eu lhe encaminhamos, todos olimpicamente ignorados.
Finalmente: uma mudança de posição do governo brasileiro hoje atingiria um sexagenário que, vivendo em liberdade há mais de seis anos, jamais infringiu as leis brasileiras nem hostilizou a Itália; manteve-se ativo como escritor, ganhando honestamente seu sustento; constituiu família, tendo agora esposa brasileira e filho brasileiro; tornou-se idoso (está com 62 anos) e faz tratamento de saúde.
Torçamos para que Michel Temer, apesar dos maus conselhos do ex-guerrilheiro Aloysio Nunes Ferreira Filho (um esquerdista que se tornou ultradireitista, como Carlos Lacerda), não queira para si o opróbrio de Getúlio Vargas, que entregou Olga Benário aos nazistas.
E o motivo para tanto é óbvio e inequívoco: a súmula do Supremo que veda a expulsão de estrangeiro casado com brasileira ou que tenha filho brasileiro.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.