Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Graças a Lula e Dilma, as águas começam a rolar no sertão

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Sexta, 17 de Outubro de 2014 às 07:07, por: CdB

Em “A triste partida”, Patativa do Assaré escreveu e cantou: “Se arguma notícia/Das banda do norte/Tem ele (o nordestino em São Paulo) por sorte/O gosto de ouvir... Meu Deus, meu Deus! Lhe bate no peito/Saudade lhe molho/E as águas nos óio/ Começa a cair! Ai, ai, ai, ai!” Hoje, as notícias que saem do Nordeste são animadoras. Uma delas é a transposição das águas do rio São Francisco.

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Obras da transposição do rio São Francisco
É difícil falar em obras prioritárias em um país como o Brasil, onde há muitas delas a serem feitas. Mas, como o dinheiro é escasso, é preciso definir uma lista básica. E nela certamente deve constar a transposição das águas do rio São Francisco, concebido para melhorar a condição de vida de 12 milhões de habitantes do Polígono das Secas. Como dizia Euclides da Cunha, “as secas do extremo norte delatam, impressionadoramente, a nossa imprevidência, embora sejam o único fato em toda a nossa vida nacional ao qual se possa aplicar o princípio da previsão”. Vivem hoje no sertão nordestino 25 milhões de pessoas espalhadas por oito Estados, numa área equivalente a três vezes à do Estado de São Paulo. O desenvolvimento nessa região depende, basicamente, de seu solo e subsolo. Mas ao contar apenas com a boa sorte dos céus o nordestino estará fadado a perpetuar o círculo de miséria que faz dessa parte do país a detentora de um dos piores índices de desenvolvimento humano do mundo. Para prosperar, é essencial que a água chegue à população. E em muitos casos, a construção de açudes e barragens não garante, por si só, o suprimento de água. Olho nas nuvens do céu As grandes estiagens obedecem a um ciclo regular e costumam irromper em períodos de 12 a 14 anos. Só no século 20, o problema fustigou a região 23 vezes, entre grandes e pequenas ocorrências. Mais de um século desde a morte de Euclides da Cunha, contudo, as razões que levaram o autor de Os Sertões a manifestar seu inconformismo diante da falta de solução para essa tragédia social começam a mudar. Desde a época do Império até o ciclo Lula-Dilma, gastaram-se fortunas para pretensamente socorrer a região, sem que os seguidos governos colocassem em ação um projeto minimamente coerente para tentar retirar da seca nordestina o caráter de fatalidade. Se a seca é um fato da vida, o subdesenvolvimento não. Até há pouco tempo, entrava ano, saia ano e continuava a haver miséria ali porque não se criaram as condições que permitem o florescimento de atividades econômicas sustentáveis. E isso só começou a mudar com o processo de enterro das distorções que eram comuns no combate à seca: a esperteza política, a dilapidação de verbas públicas e a negligência pura e simples. Tudo isso redundou em um grande número de obras inacabadas, como açudes e barragens construídos sem rigor técnico, que costumam ser levados pelas primeiras chuvas mais fortes. Eixo Petrolina-Juazeiro No Rio Grande do Norte, por exemplo, o açude Armando Ribeiro Gonçalves, na região do rio Açu, com quase 2,3 milhões de metros cúbicos, teve aproveitamento praticamente zero desde que foi inaugurado em 1984, ainda na ditadura militar. Só há poucos anos a água passou a ser levada para o sertão do Estado, com a inauguração de uma adutora. Nessa região, nos períodos de seca a água para consumo humano costumava chegar de trem, vinda de Natal. Essa e outras iniciativas já mostraram que no semiárido que fustiga, que cria o Severino retirante, é possível ter uma economia dinâmica. Desde, é claro, que sejam criadas as condições de reduzir sua vulnerabilidade ao clima seco. Basta ver a transformação que a fruticultura e a horticultura trouxeram aos polos de produção irrigada nos vales dos rios Açu, no Rio Grande do Norte, e São Francisco, na Bahia e Pernambuco. Em meio à vegetação de caatinga que caracteriza a região, destacam-se as manchas verdes dos parreirais e de outras lavouras, como as de melões, goiabas, mangas, bananas, maracujás, acerolas, além de tomates e aspargos. Graças à irrigação, o clima seco e quente, considerado hostil, converteu-se em aliado. No eixo Petrolina-Juazeiro, cidades separadas pelo rio São Francisco — a primeira em Pernambuco e a segunda na Bahia —, os produtores de uva colhem duas safras e meia por ano; no Rio Grande do Sul, a colheita é uma só, de janeiro a março. Outras áreas da região não podem se transformar em oásis semelhante às terras irrigadas do Vale do São Francisco? É aí que se insere o plano de transposição das águas do rio São Francisco, que no governo Lula ganhou forma e conteúdo. Fabuloso efeito social Trata-se de um projeto grandioso. O objetivo é desviar de 50 a 60 metros cúbicos das águas do São Francisco por segundo e jogá-las nos rios que cruzam o semiárido nordestino, tornando-os perenes. Com isso, será possível irrigar uma área de 330 mil hectares. Há ainda estudos que sugerem engrossar as águas do São Francisco a serem transpostas com o volume excedente de bacias vizinhas. Espalhadas pelo semiárido por uma rede de canais e reservatórios, essas águas poderiam irrigar uma área de 1,6 milhão de hectares. Saber se a ideia de transposição das águas do São Francisco é mesmo a melhor solução para o Nordeste é uma tarefa que cabe aos brasileiros discutir, ao contrário do que pensam os tucanos. Um fato positivo sobressai, desde já: finalmente, começa-se a pensar numa solução de longo prazo, para enfrentar, de forma permanente, a seca e a miséria endêmica do sertão nordestino. Mas as decisões precisam ser ágeis. Não dá para ficar discutindo eternamente a questão enquanto não se abre uma bica d’água no Nordeste. O projeto envolve canais, barragens e sistemas para fazer a água vencer desníveis. A obra demoraria pelo menos 12 anos e custaria US$ 6,5 bilhões. Descrita assim, o plano teria para o Nordeste importância igual à daquele canal para o Panamá. Quanto a seus custos, realmente não é muito dinheiro diante do fabuloso efeito social que a transposição provocaria. Em se tratando, porém, de um plano discutido desde dom Pedro II (a ideia nasceu em 1847) e que já passou pelas mãos de vários presidentes, como Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso, é natural que o assunto ganhe sentido de urgência. Capacidade do “velho Chico” Ciro Gomes, que foi ministro da Integração Nacional, diz que obras locais, como açudes, não resolverão mais o problema. A ausência de ações efetivas agora, logo poderia levar grandes cidades — como Fortaleza, Campina Grande e Caruaru — a um racionamento permanente. Diante dessas projeções, Lula e Dilma determinaram que se acelerasse o plano. O que faz a diferença desta vez em relação às promessas de governos passados são, basicamente, dois fatores. Um é o engajamento pessoal dos presidentes Lula e Dilma. O outro é a redução da resistência política de alguns dos chamados “Estados doadores” — Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, banhados pelo São Francisco. Na proposta original, eles apenas perderiam água — vale lembrar que estes Estados também têm problemas com a seca. A oposição era tão forte que uma audiência pública em Aracaju, em 2001, quase terminou em agressões físicas. A polícia informou que não poderia garantir a segurança dos participantes na audiência seguinte e uma liminar impediu a realização da terceira, que ocorreria em Salvador. Na nova versão, os doadores passaram a ter vantagens, como canais e obras de saneamento. O São Francisco receberia água transposta do rio Tocantins, quatro vezes mais caudaloso. Isso encarece em US$ 1,4 bilhão o projeto, mas reduz os temores quanto à capacidade do chamado “velho Chico” de suportar a retirada de água. Melhor escoamento da produção O governo também eliminou impactos ambientais negativos da obra. Já existia um relatório favorável, feito em 2001 pela empresa finlandesa de engenharia Jakko-Pöyry. Os estudos realizados pelo governo indicam que a quantidade de água — cerca de 1% da capacidade do São Francisco — a ser captada é proporcionalmente pequena e não seria capaz de abalar o equilíbrio do ecossistema. Há ainda os benefícios indiretos. No projeto de pavimentação da BR-163, por exemplo, estima-se que a obra terá influência em 1,2 milhão de quilômetros quadrados, quase 15% do território brasileiro. Essa imensa área abriga hoje 1,8 milhão de habitantes em 71 municípios. Além de beneficiar a população que vive às margens da rodovia, ao melhorar o escoamento da produção agrícola, a obra teria um impacto positivo que ultrapassa os limites regionais. Na região do São Francisco, o governo declarou como de utilidade pública uma faixa de 2,5 quilômetros de cada lado dos canais, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está fazendo o levantamento da estrutura fundiária para fins de reforma agrária. Com isso, estão proibidas a venda e a compra dessas áreas. O plano também implica alargar o papel do Estado na região, com a criação de novas estatais. A primeira seria uma nova subsidiária da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, para operar e manter o sistema de canais. Depois, serão necessárias empresas para cuidar da distribuição e repartir a água conforme o uso: irrigação, indústria e consumo humano. No Ceará, já existe a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos, criada quando Ciro Gomes era governador. Obtusidade córnea e má-fé cínica Talvez seja pelos inegáveis êxitos do projeto que os tucanos decidiram incorporá-lo a obra ao seu rol de invectivas no atual debate eleitoral. Mas o fazem com cuidado, temendo ser confrontados pela realidade das águas que já rolam no sertão nordestino, sem, no entanto, deixar de espalhar pessimismo. Nem Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX e o pessimista mais brilhante e influente que a humanidade já produziu (era melhor nem ter nascido, filosofava ele), se igualaria à cantilena vazia do tucanato. Eis mais um caso do dilema de entre obtusidade córnea e má-fé cínica de Eça de Queiróz. A paralisação da transposição seria, portanto, apostar em resultados perversos. No Nordeste, colhem-se apenas 600 quilos de milho por hectare. No Paraná, na mesma área, a produção bate em 8 mil quilos. Quem insiste em produzir grãos no semiárido costuma ter, no máximo, três safras a cada dez anos. Ou seja: são sete anos de prejuízos certos. Não precisa ser assim; outras regiões típicas — como a Califórnia, o norte do Chile e o Estado de Israel — transformaram-se em grandes celeiros. Por que o sertanejo nordestino ainda hoje tem de cuidar do seu roçado de subsistência de olho nas nuvens do céu? Tucano em crise existencial Os brasileiros do Nordeste que hoje assistem com atenção a mais essa embromação tucana se inquietam com o fantasma da chamada “indústria da seca”, uma forma que os setores dominantes da região utilizavam para se aproveitar do povo. Eles não deixam de ter razão; uma obra dessa envergadura exige decisões firmes e prioridade política. O prolongamento da tragédia da seca é, de fato, uma ameaça concreta caso a direita venha governar o Brasil. Embora o Brasil tenha a maior disponibilidade de água doce do planeta, o país ainda não conseguiu superar as dificuldades decorrentes da distribuição desigual das reservas. Enquanto a Amazônia concentra 70% da água doce do país e apenas 10% da população nacional, o Nordeste dispõe de 3% da água para abastecer 30% dos brasileiros. Se não bastam outros argumentos a favor do plano, essa distribuição desigual já é suficiente para se sustentar a urgência da transposição das águas do São Francisco. O resto é pio de tucano em crise existencial.   Osvaldo Bertolino,  é jornalista, editor do Portal Grabois e colaborador da revista Princípios.  

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