O governo brasileiro poderá importar medicamentos genéricos, inclusive contra a Aids, graças à publicação de um decreto presidencial que permite a compra em casos de emergência nacional ou interesse público, sem a necessidade de consentimento do detentor da patente. O anúncio foi feito ontem pelo ministro da Saúde, Humberto Costa.
Com a medida, três medicamentos usados no tratamento da Aids - Nelfinavir (do laboratório Roche), Lopinavir (Abbott) e Efavirenz (Merck, Sharp & Dome) - que representam 63% do gasto anual do governo com o coquetel poderão ser comprados de laboratórios da China e da Índia, importantes fabricantes de genéricos. O decreto, que trata da concessão de licença compulsória, será publicado na sexta-feira no Diário Oficial e não se restringe à área da saúde.
Até hoje o Brasil podia importar os medicamentos apenas do próprio laboratório que detinha a patente no Brasil.
- Normalmente esses laboratórios têm apenas uma fábrica principal, e os preços são praticamente os mesmos em todo o mundo. Isso não atendia às necessidades do Brasil, que é de reduzir os custos do tratamento com o coquetel - disse o ministro.
Com esses três medicamentos apenas, estima-se um gasto de 366 milhões de reais em 2003. O coquetel completo inclui 14 remédios, sendo que o país produz oito deles. Uma missão técnica partirá do Brasil para visitar as fábricas de genéricos da China e da Índia. A intenção é verificar a qualidade dos medicamentos produzidos e também se esses dois países têm condições de suprir a demanda brasileira. Os dois países ainda não respeitam a lei mundial de patentes.
Negociação
A rodada inicial de negociações entre o governo brasileiro e os três laboratórios que fabricam esses medicamentos terminaram no último dia 30. Segundo o ministro, a intenção do Brasil é continuar negociando, mas já se preparando para a possibilidade de não haver um resultado positivo. O ministério esperava uma redução de pelo menos 40 por cento nos preços, equivalente ao que irá economizar importando genéricos.
Depois de quatro reuniões, o único fato positivo foi a proposta do laboratório Merck de ceder a patente do Efavirenz para o governo brasileiro. Seria feito um grupo de trabalho no qual a empresa ensinaria técnicos dos laboratórios estatais a fabricar o remédio.
Em troca, o governo brasileiro pagaria royalties, normalmente algo entre 3% e 5% do valor do produto. Os demais laboratórios ofereceram uma redução máxima de 6,7%. Na noite de quinta-feira, a Roche divulgou uma nota afirmando que continuam as negociações com o governo e que o preço do Nelfinavir já caiu 60 por cento desde 1998.
O ministro acredita que esse endurecimento das empresas deve-se ao fato de elas saberem que o Brasil ainda precisa de oito meses a um ano para começar uma produção própria dos remédios. Só aí poderia quebrar as patentes. Mas o ministro esclareceu que, mesmo que não seja possível comprar os genéricos, o governo vai continuar comprando das empresas apenas até conseguir produzir os seus próprios medicamentos.
Se o Brasil já estivesse produzindo os seus genéricos, a economia até o final do ano que vem chegaria a R$ 230 milhões. Uma das preocupações do ministério é que, no ano que vem, dois outros medicamentos importados, o T20, da Brystol, e o Atazanavir, da Roche, devem entrar no coquetel. Apenas o T20 pode chegar a custar US$ 20 mil por ano por pessoa.