Com o semanário ainda nas bancas mostrando suposto facsímile de uma conta secreta num banco suíço (BSI), Romário comprou um bilhete para Genebra e lá obteve do banco a garantia de que aquela conta e aquele saldo (equivalente a quase oito milhões de reais) não eram dele.
E no lugar de entrar com uma ação judicial de reparação preferiu começar com algo mais simples, imediato, arrasador: usou a tribuna do Senado Federal para gozar a "barriga” da ex-toda-poderosa derrubadora de presidentes: "Acabo de ser informado que não sou um milionário, ao contrário do que afirmou a revista”. Em seguida entrou com uma ação indenizatória no valor de 75 milhões de reais.
Inacreditável a explicação do Diretor da Redação da revista, Eurípedes Alcântara, à ombudsman da "Folha”: o jornalismo funciona como uma montadora de veículos. "Elas dependem de fornecedores. Nós dependemos das fontes. Quando um fornecedor entrega um lote de peças defeituosas, a montadora faz imediatamente um recall. Não adianta limitar-se a culpar o fornecedor. O reconhecimento rápido, público e sem rodeios do erro equivale ao recall das montadoras. O leitor confia em nós, não em nossas fontes.”
A metáfora do recall é cavilosa, mais do que isso – é aterradora. Pressupõe uma inocência e uma ingenuidade que um serviço com fé pública como o jornalismo não pode alegar sob hipótese alguma. Não estamos falando de peças defeituosas, facilmente substituíveis. Estamos falando de honra e integridade, bens preciosos, insubstituíveis.
Tentar transferir às fontes a responsabilidade por um crime é um artifício diabólico. Lavar as mãos num caso destes e com tamanha leviandade, é amoral. A responsabilidade foi de quem não quis ou não tem grandeza para averiguar a veracidade da informação. E, sobretudo, de quem não está a altura de ocupar uma função historicamente associada à decência, respeito humano e integridade.
"Veja” está em escombros, essa é a dolorosa verdade. Voltou às antigas instalações na Marginal Tietê na vã esperança de lá reencontrar a dignidade perdida. Não adiantou. A peça defeituosa já não está disponível no mercado – fora de linha. O recall neste caso exigiria a troca do responsável pela linha de montagem. Caso contrário é blefe.
Alberto Dines, é jornalista. Observatório da Imprensa.