Ao derrotar Pompeu, que conduzia tropas debilitadas, na Itália, César disse que havia vencido um general sem exército; partiria então para a Espanha - onde se encontrava o grosso das tropas pompeianas - a fim de derrotar um exército sem general.
Desde a morte de Ulysses Guimarães, o PMDB é um exército sem general. O partido nunca foi coeso - e nenhum partido é coeso - mas a divisão é hoje maior do que antes. A razão é simples: nascido para a oposição contra o regime militar, ao partido tem faltado o ânimo necessário para a conquista direta do poder. Emboscado pelas circunstâncias, que fizeram de Sarney - o adversário civil mais evidente do partido no crepúsculo da Ditadura - o companheiro de Tancredo no Colégio Eleitoral, o partido viveu sua primeira crise de identidade naqueles meses iniciais.
Durante o governo de Sarney, talvez conduzido pelo instinto de assegurar posições para o futuro, o PMDB aceitou influir no varejo, deixando o atacado para o presidente. Diga-se, a bem da verdade, que Sarney também atuou inibido, mas isso não o impediu de realizar um excelente governo dentro das circunstâncias nacionais e internacionais. Soube resistir, e poucos sabem como, às pressões neoliberais que já eram evidentes, e para isso procurou manter equilibradas as contas externas, além de tentar conter a inflação com o Plano Cruzado.
Durante a elaboração da Carta Constitucional de 1988, as forças conservadoras se alinharam no Congresso, e o PMDB, dividido, não conseguiu conter o fisiologismo de muitos de seus parlamentares. Foi quando o simpático - e era realmente um homem simpático - Roberto Cardoso Alves justificou a barganha do Legislativo com o Executivo, ao invocar São Francisco de Assis, torcendo sua conhecida oração para a direita.
A cisão dos tucanos foi outro ardil histórico. Por mais bem intencionados fossem os criadores do partido, o seu discurso ético, invocado para a dissidência, foi escandalosamente desmentido quando chegaram ao Poder. Na realidade, a ala acadêmica e elitista do PMDB paulista, não queria admitir a liderança de um líder popular e de origem modesta, como Orestes Quércia. Toda a alegação ideológica, de que se valeram, era apenas retórica (e, em retórica, são mestres). Nunca houve tanta corrupção (e, convenhamos, corrupção de mãos enluvadas), em nosso País, quanto a houve durante o governo do bem aposto professor Cardoso.
O PMDB é um partido misterioso. Por mais líderes o deixem, sua militância permanece a mesma, o que faz da grande organização a de maior capilaridade na geografia brasileira. Mas está faltando um general ao partido. Um general como foram os seus grandes líderes, que podiam ter divergências notórias, como as tinham Tancredo e Ulysses, mas que sabiam administrá-las, tendo em vista o interesse nacional, que ambos identificavam e defendiam.
Talvez fosse melhor, para o próprio bem do partido, que os seus quadros deixassem o Executivo e, em uma demonstração de postura ética de que a atividade política anda escassa, continuassem a apoiar, no Parlamento, aqueles atos de governo que correspondem ao seu velho, proclamado, mas ainda não executado, programa.
Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, "Mar Negro" (2002).