Deslumbramento e humilhação: o jogo Brasil e Alemanha
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Segunda, 14 de Julho de 2014 às 11:38, por: CdB
O jogo das semifinais entre Brasil e Alemanha do dia 8 de julho, no grande estádio de Belo Horizonte, significou uma justa vitória da seleção alemã e uma arrasadora e vergonhosa derrota brasileira. Milhões estavam nas praças e ruas de todas as cidades. A atmosfera de euforia dos brasileiros, a maioria enfeitados de verde-amarelo, as cores nacionais, não toleraria jamais, sequer por imaginação, semelhante humilhação. E ela caiu como um raio em céu azul.
Vejo, entre outras, duas razões básicas que explicam o resultado final de 7 a 1 gols em favor da Alemanha. Os alemães, bem como outros times europeus, renovaram as estratégias e as formas de jogar futebol. Investiram, a meu ver, em três pontos básicos: cuidadoso preparo físico dos jogadores para ganharem grande resistência e velocidade junto com um constante acompanhamento psicológico, para em qualquer situação se manterem senhores de si mesmos; em segundo lugar, preparar craques individuais que pudessem jogar em qualquer posição e correr todo o campo e por fim grande sentido de conjunto. Excelentes jogadores que não pretendem mostrar sua performance individual mas se propõem integrar-se no grupo formando um conjunto coeso, tornam-se fortes favoritos em qualquer competição. Não que sejam invencíveis, pois vimos que, jogando com os EUA, a seleção alemã teve grande dificuldade em ganhar. Mas as referidas qualidades foram o segredo da vitória alemã sobre o Brasil.
A grande questão foi a seleção brasileira. Criou-se quase como consenso nacional de que somos a pátria do futebol, que somos ganhadores de cinco copas mundiais, que temos o rei Pelé e craques excepcionais como Neymar e outros. Houve por parte da mídia corporativa e das agências de apoio, a criação do mito do “Craque da Copa”, elevado a herói e quase a um semi-deus. Esta atmosfera de euforia que atendia ao marketing das grandes empresas apoiadoras, visando lucros, acabaram contaminando a mentalidade popular. Poderíamos perder, mas por pouco. Mas, para a grande maioria, a vitória era quase certa, ainda mais que os jogos estavam se realizando no próprio pais.
Essa euforia generalizada não preparou a população para aquilo que é próprio do esporte: a vitória ou a derrota ou o empate. A maioria jamais poderia imaginar, nem por sonho, que poderíamos conhecer uma derrota assim humilhante. A vitória era celebrada por antecipação. Grave equívoco, em grande parte, induzido pela mídia do oba-oba e da euforia, particularmente por rede de TV nacional e seus comentaristas.
Mas houve também um penoso erro por parte da comissão técnica brasileira. Pelo nosso passado glorioso, ela julgou-se mestra a ponto de pretender ensinar aos outros como deve ser o futebol. Ficou sentada sobre as glórias do passado. Não se renovou.
Enquanto isso em outros lugares, na Europa, como na Espanha e na Alemanha, mas também na América Latina, como na Colômbia e em Costa Rica, se desenvolvia uma nova compreensão do futebol, novas táticas e novas formas de distribuir as posições dos jogadores em campo. Nada disso foi aproveitado pela comissão técnica brasileira, especialmente seu treinador Luiz Felipe Scolari (chamado de Felipão). É uma figura paternal, severa e terna ao mesmo tempo, amada pelos jogadores e, em geral, respeitada pelo público. Mas é teimoso e persistente em suas fórmulas, boas para o passado, mas inadequadas e questionáveis para o presente. Ele não se deu conta de que o mundo do futebol havia se transformado profundamente, embora tenha trabalhado fora do Brasil.
Não conseguiu duas coisas que permitem entender o fracasso fragoroso da seleção brasileira. Scolari não desestimulou o tradicional e exacerbado individualismo dos jogadores. Cada qual quer mostrar sua boa performance, quer dar o seu show particular, até em vista de eventual contratação por grandes times estrangeiros. Em segundo lugar, não conseguiu criar um grupo coeso com espírito de grupo. Este deveria prevalecer sobre o individualismo dos jogadores. Deixou os jogadores dispersos. Criaram vácuos inadmissíveis no meio do campo, não souberam marcar os principais craques do time adversário.
Os alemães se deram conta desta fraqueza estrutural da seleção brasileira. Souberam explorá-la com habilidade. Nos primeiros minutos marcaram já o primeiro gol. Aos 29 minutos do primeiro tempo já era 5 a 0.
Tal desastre futebolístico criou uma espécie de pane na seleção brasileira. Ficou totalmente desnorteada. O próprio treinador Felipão Scolari não soube fazer as substituições necessárias. Estas ocorreram apenas no segundo tempo.
O jogo parecia uma disputa de um time suburbano e popular enfrentando uma seleção de nível internacional. Isso não era o futebol que sempre conhecíamos, cujos dirigentes não quiseram aprender nada dos outros, fechados em sua arrogância. Perdemos por arrogantes e ignorantes.
Tivéssemos 11 Neymares em campo sem um grupo coeso e ordenado, o resultado não seria tão diferente. Perdemos porque jogamos mal e jogamos mal porque não soubemos nos apropriar do novo que se ensaiou fora do Brasil. E não formamos um grupo articulado e coeso.
Sinto, pessoalmente, grande pena dos “brasileirinhos” que com entusiasmo torceram pela seleção como bem o escreveu André Trigueiro num inteligente artigo que, para além do fracasso, visava a suscitar esperança no povo sofredor. A maioria agora se sente órfã.
Aqui, nesse país pluridiverso, com uma população hospitaleira e lúdica, para ela quase nada funciona bem: nem a saúde, nem a educação, nem o transporte, nem a segurança. Tirando o carnaval, não somos bons em quase nada, dizem. Mas pelo menos somos bons no futebol, pensavam. Isso dava ao simples povo o sentido de auto-estima. Agora nem mais podemos apelar para o futebol. Por muitos e muitos anos esta terça-feira sinistra de 8 de julho de 2014 com 7 gols a 1 para a Alemanha nos acompanhará como uma sombra funesta. Mas o povo que suportou já tantas adversidades saberá dar a volta por cima. Ele tem forte resiliência como sempre mostrou.
Espero apenas uma coisa: que a elite que vergonhosamente vaiou a Presidenta, na abertura, com palavrões indizíveis, não volte a envergonhar o Brasil diante do mundo, quando ela entregar a taça ao vencedor. Como tais elites raramente frequentam os estádios e mostram pouco compromisso com o Brasil mas muito mais com seus privilégios, serão ainda capazes desse ato despudorado. Elas apenas mostrariam como se comportam diante do povo e do seu próprio país: com soberano desdém, pois sofrem por não viver em Miami ou em Paris e se sentem condenadas a viver e a acumular aqui no Grande Sul.
Menção honrosa merece a seleção alemã, que foi discreta na celebração e não se prevaleceu sobre uma vitória tão deslumbrante. E o povo brasileiro soube também reconhecê-la e aplaudi-la.
Leonardo Boff, é teólogo e escritor.