Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

Depois do golpe

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Sexta, 09 de Setembro de 2016 às 06:56, por: CdB

A partir de agora, existe um desafio duplo, para os progressistas e para todas as tintas de esquerda: no curto e no longo prazo. Construir a resistência, derrotar os impostores e recompor o campo progressista

Por Reginaldo Moraes - de São Paulo:

Este artigo ainda não é uma análise. É uma exposição inicial dos motivos pelos quais a esquerda e a frente progressista precisam de muita análise e, principalmente, de ações que deem consequência a tais reflexões.

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A primeira coisa que devemos perceber, para construir a resistência ao golpe, é o método de destruição que os golpistas têm utilizado e como podemos contra-atacar

O golpe de estado de agosto de 2016 abre um novo período para a luta política no Brasil. Nada será como antes amanhã ou depois de amanhã.

O que tivemos nessa decisão do Senado foi a confirmação do que vinha sendo planejado pelos poderes de fato há bastante tempo. Não se trata apenas de interromper um mandato. Trata-se de mudar o regime político, cassando a soberania popular e substituindo-a pela “opinião dos homens de bem”, isto é, pelos homens de bens. Acabou aquilo que se conquistou há mais de 30 anos, acabou a escolha dos governantes pelo voto direto. Não mais “diretas-já”, nem mesmo aquelas que tivemos até aqui, corrompidas pelo dinheiro das empresas. Eleição só vale se tiver o resultado desejado pelos homens de bens.

A partir de agora, existe um desafio duplo, para os progressistas e para todas as tintas de esquerda: no curto e no longo prazo. Construir a resistência, derrotar os impostores e, por outro lado, recompor o campo dos progressistas.

Em curto prazo, impõe-se a resistência ao choque depois do choque. Explico: o golpe pode ser um choque para muitos de nós, ainda que anunciado. Mas ele é apenas o início e um meio para implantar um programa completo de retrocessos com os quais sonham as frações mais reacionárias do capitalismo brasileiro e, sublinho, dos grandes interesses internacionais, capitaneados pelos norte-americanos, uma vez mais na história da América Latina.

É um golpe antipopular e vende-pátria. Em curto prazo, portanto, temos a necessidade de instabilizar o governo golpista e promover a reconquista das “diretas-já”.

As táticas de tortura dos golpistas

A primeira coisa que devemos perceber, para construir a resistência ao golpe, é o método de destruição que os golpistas têm utilizado e como podemos contra-atacar. A escritora Naomi Klein já alertou sobre isso. Faz pelo menos dois anos que estamos sob um cerco parecido ao que se aplica a prisioneiros, para que fraquejem e “colaborem” com seus torturadores. O prisioneiro é submetido a isolamento, para que não saiba o que fazem e dizem seus companheiros, para que duvide de si mesmo, dos outros e de suas crenças. Para que sua identidade, enfim, seja destruída.

Um ataque permanente e incessante desse tipo tem sido orquestrado pelos partidos de direita, pelo judiciário e pela mídia. Não apenas contra o PT, mas contra os movimentos populares e a esquerda em geral. Os promotores e juízes inventam qualquer bomba, mesmo que ela seja ridícula do ponto de vista legal, jurídico. Não importa, seu objetivo é nos colocar na defensiva.

O mesmo ocorre com a mídia. Muito do que eles fazem é feito para ir além de atingir a chamada “opinião pública”: é para enfraquecer nossa resistência, constranger e confundir o nosso campo. Quando não temos redes de comunicação sequer para informar nossa própria tropa, ficamos “informados” e “conformados” por aquilo que eles jogam na nossa cabeça.

A primeira coisa que precisamos fazer é resistir ao confinamento: nunca fique sozinho, nunca pense sozinho. Mas para isso é preciso construir nossa rede. Não podemos saber o que fazem e pensam nossos companheiros e nossas lideranças através do filtro deles, da mídia deles.

Depois do “choque” do golpe, vem a aplicação das políticas para intensificar a exploração e submeter o país aos interesses imperialistas. A resistência a tais retrocessos tem que se prevenir contra a tentação de enfrentar obstáculos pontuais sem integrá-los no enfrentamento global do novo governo e do novo regime, o regime dos novos coronéis, que não usam farda, embora sonhem com ela.

É bem possível que o novo governo tente fazer com a resistência aquilo que Hitler pregava: cortar a oposição como um salame e comer fatia por fatia, separadamente. Explorando nossa fragmentação e nosso isolamento, confundindo e desorientando nossas tropas.

Resistir em cada árvore, mas não perder de vista a floresta.

Retrocessos são anunciados em todos os cantos – na educação, na cultura, na previdência, nos direitos trabalhistas, na saúde, na moradia, nos programas sociais. A cada um deles, um grupo de atingidos certamente tomará a frente da resistência. Mas não podem ficar sozinhos nem ter a ilusão de, sozinhos e apenas nessa trincheira, impor uma derrota sem retorno ao poder constituído.

É preciso que em seu apoio venham os demais segmentos das forças progressistas, mesmo aqueles sequer tocados pelas medidas específicas. E é preciso, em cada confronto pontual e localizado, estabelecer claramente a ligação entre esse ataque parcial e a natureza do novo governo.

Essa não é uma luta fácil, exige tenacidade, constância e criatividade. Cabeça fria e coração quente. Exige alterar profundamente o quadro da opinião existente, sacudir os bolsões de atordoamento e indiferença, sobretudo nas faixas pobres da população que mais arcarão com os custos do choque. Exige instabilizar o lado de lá e cristalizar o lado de cá, refundar a esquerda e a frente progressista. Isto é, exige vincular o imediato com o estratégico e explorar a dialética das conquistas parciais. Dizia um poeta que em situações de crise tendemos a confundir o urgente com o essencial. Temos que aprender a combiná-los.

Outro país é possível

Essa reconstrução dos sonhos e dos caminhos para viabilizá-los, vai precisar de uma bandeira, clara e forte, compreensível e sensível, ao mesmo tempo realista e ousada. Já é possível adiantar algumas estrelas dessa bandeira, dessa nova Carta do Povo, porque apareceram já nas lutas anteriores.

Uma reforma tributária para reconstruir o país com justiça: menos imposto para quem trabalha e produz, cobrar de quem tem mais.

Reforma agrária e urbana: imposto territorial progressivo, nova lei de herança, fim da sociedade de herdeiros ociosos.

Reforma política: novas leis para a representação, livrar as campanhas do dinheiro dos ricos.

“Transparência”, contra operações secretas no setor público e nas empresas privadas. Não se trata apenas de publicar todos os gastos e salários do setor público, inclusive e sobretudo o de juízes de desembargadores. Direito dos trabalhadores, nas empresas e nos órgãos públicos, de acessar informações sobre suas operações, com a garantia de eleição de comitês nas empresas, com mandato protegido. O poder de fato não está apenas nos gabinetes executivos, nas câmaras legislativas e nos tribunais, está na produção da vida cotidiana.

Direito de resposta, regulação da grande mídia, libertar a informação e a cultura do controle dos milionários. Rever as concessões de rádio e TV.

A seguir, em outro artigo, voltaremos à discussão das trincheiras que perdemos e dos caminhos para reconstruir o movimento popular e a frente progressista. A lua é pequena e a caminhada é longa.

Reginaldo Moraes, é professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo.

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