Nesta semana, foi retomada em Bruxelas a negociação comercial entre a União Européia e o Mercosul. O objetivo, como se sabe, é concluir um acordo entre os dois blocos até outubro.
Essa negociação é da maior importância. Trata não somente da liberalização do comércio de mercadorias, mas também de uma série de outros temas, tais como serviços, compras governamentais, investimentos, propriedade intelectual, comércio eletrônico, medidas sanitárias e fitossanitárias e mecanismos de solução de controvérsias. A sua abrangência é comparável à negociação da Alca.
Não obstante, os entendimentos continuam transcorrendo sob sigilo praticamente total. Existe, ao que parece, um compromisso assumido com os europeus de não divulgar as ofertas apresentadas. Assim, diferentemente do que acontece no caso da Alca, os documentos dessa negociação são inteiramente desconhecidos da opinião pública.
No início deste mês, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, encaminhou à Mesa da Câmara dos Deputados um requerimento de informação destinado ao Ministro das Relações Exteriores, solicitando entre outros esclarecimentos as ofertas feitas pelo Mercosul e pela União Européia em matéria de agricultura, serviços, investimentos e compras governamentais.
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A julgar pelo que tem sido publicado fragmentariamente nos jornais, a barganha central gira em torno do seguinte: os países do Mercosul insistem em maior acesso para as suas exportações agrícolas e agroindustriais nos mercados europeus, enquanto a União Européia quer que o Mercosul faça concessões em bens industriais, serviços, investimentos e compras governamentais.
Aparentemente, os nossos negociadores concentram quase todo o seu poder de fogo na questão agrícola. Estariam dispostos a fazer concessões substanciais nas áreas de interesse europeu, em troca de benefícios para a agricultura exportadora.
Do ponto de vista do Brasil, é duvidoso que essa ênfase seja justificada. Afinal, há muito tempo deixamos de ser uma economia de base agrícola. O Brasil é uma sociedade essencialmente urbana, que dispõe de um parque industrial diversificado. As nossas indústrias terão, em muitos setores, sérias dificuldades de enfrentar a livre concorrência com as grandes corporações européias. Tampouco interessa ao Brasil subordinar o nosso raio de manobra em áreas estratégicas como serviços, propriedade intelectual, investimentos e compras governamentais às prioridades de setores exportadores de produtos agrícolas.
De qualquer maneira, os europeus continuam demonstrando pouca disposição de abrir o seu mercado agrícola. Já os negociadores do Mercosul têm sido, tudo indica, bastante flexíveis - provavelmente flexíveis demais. Levaram a Bruxelas concessões ainda maiores em matéria de serviços, investimentos e compras governamentais, segundo declaram à imprensa.
Essa movimentação causa uma certa estranheza. Afinal, desde 2003, o governo brasileiro tem se empenhado em modificar os termos da negociação da Alca, procurando evitar ou limitar a discussão desses temas estratégicos com os EUA. Essa é, aliás, uma das razões do impasse em que se encontra a Alca, como procurei explicar em artigos publicados nesta coluna (ver, por exemplo, "Alca em coma", Agência Carta Maior, 6 de abril de 2004).
As negociações da Alca foram interrompidas, mas não abandonadas. Serão retomadas depois das eleições presidenciais nos EUA. As concessões que fizermos aos europeus nessas questões estratégicas constituirão, inevitavelmente, o patamar mínimo para as reivindicações de Washington.
O risco que estamos correndo é que a ânsia de obter algumas vantagens para a agricultura do Mercosul venha a comprometer os interesses brasileiros em diversas áreas fundamentais. Acabaríamos pondo a perder todo o esforço até agora realizado para proteger a autonomia brasileira das demandas apresentadas pelos países desenvolvidos nas negociaç