Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro: O anúncio do ministério que acompanharia Dilma Rousseff em seu segundo mandato provocou preocupações e críticas, que equivocadamente se concentraram na figura não menos que ridícula de Katia Abreu. O novo ministro da Fazenda causou, sim, alguns comentários e ressalvas mas, afinal das contas, o PT já havia governado por 12 anos, afinado com os interesses do grande capital, nunca tendo atingido os absurdos dos tempos de FHC, mas delegando a Henrique Meireles a gestão do Banco Central que dessa forma não chegava à independência, mas praticou a autonomia. Lula nunca se preocupou com os ganhos dos bancos e Dilma Rousseff recebeu uma economia combalida pela febre de uma taxa Selic mal contida nos 11%, que ela tratou de ir reduzindo até chegar aos 7% em outubro de 2012. O termômetro já voltaria a subir, a partir de novembro de 2013, preparando-se para atingir cifras de dois dígitos. Depois de meio ano de governo novo, confirma-se a crise anunciada mas, informando-se que será muito maior do que o bom senso permitiria estimar, devendo atingir o horror econômico até fins de 2015, quando então será possível anunciar o Brasil como a Grécia do Hemisfério Sul. Esse será o porte da crise, se não alterados rapidamente os rumos que foram traçados e seguidos. Equivocadamente, surgem em número crescente os que, descrentes do falso otimismo presidencial, pedem que se demita o ministro Levy. Equívoco, porque Levy não é ministro forte, nem mesmo chega a ser ministro de alguma coisa, não sendo mais do que o executor daquilo que a grande banca Internacional deseja e quer: ela pretende obter no Brasil os seus lucros mais altos, sugando a economia brasileira até transformar os seus ossos em mocotó. Aquilo que as palavras presidenciais não contam, o que Lula faz de esquecido, que os quadros do PT, não entendendo nada de coisa alguma, minimizam é a crise em todo o seu peso e proporções. Conhecimentos pequenos de Economia permitem que, uma vez numa mina subterrânea, começamos a andar às cegas, não por um túnel onde se enxergue uma luz ao final. Nós, os brasileiros estamos sendo configurados como o mascote da Copa de Futebol, tatus-bola, que vão morar nos cemitérios. A farsa lamentável do equilíbrio monetário foi defendida por Eugênio Gudin, que nos representou em Breton Woods, a conferência que reuniu dezenas de nações para traçar os rumos a serem seguidos pelo novo mundo pacificado. Lord Keynes estava presente, mas o grande vencedor foi Henry Mongenthaun, Secretário do Tesouro dos EUA, para quem a grande tarefa era a de construir um mundo onde o comércio internacional fosse o planejado pelos homens de negócios e conforme os princípios éticos adotados por eles mesmos. Aos países até então pobres e que ganhavam o status de subdesenvolvidos, o FMI reservava as receitas amargas do equilíbrio monetário, as contas bem pagas, juros e principal: os homens de negócios sempre cuidaram de estimular o endividamento dos dependentes, ficando ao FMI a missão de cobrá-los. Nos primeiros anos da década de 1950 o choque entre os monetaristas e os pensadores da CEPAL traduzia a oposição de interesses, ficando de um lado os desejosos de alinhamento em tudo e por tudo com os Estados Unidos, e de outro os que planejavam os caminhos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Durante bom tempo,Eugênio Gudin manteve polêmica dura contra Celso Furtado, defendendo o seu monetarismo rigoroso. Naqueles tempos, que todos trataram de esquecer logo, discutia-se a temível inflação, posta por Gudin como fenômeno puramente monetário, e entendida por Furtado como o resultando de desequilíbrios estruturais a serem corrigidos através de reformas de base: agrária, fiscal, tributaria, administrativa e monetária. Para Gudin: a integração da economia nacional na economia internacional, aceitando a sua vocação de supridora mundial de produtos primários; para os teóricos do desenvolvimento: a consciência de que as regras do mercado internacional foram redigidas por aqueles homens de negócios reunidos em Bretton Woods. Os caminhos seguidos pela economia brasileira foram variados, de JK aos 20 anos de ditadura, mas ficou claro que o monetarismo era a ideologia das elites nacionais, sócias menores do capital internacional. Só foi experimentado no curto governo da UDN, com Café Filho na Presidência, e Eugênio Gudin no Ministério da Fazenda. E, como momento de transição, nos momentos iniciais da ditadura, sob comando de Mário Henrique Simonsen, discípulo de Gudin. Afora banqueiro falido, Simonsen deu ao Brasil, na segunda metade da década de 1960, a sua maior crise recessiva,depois substituída pelo pragmatismo de Delfim Neto. Tudo isso cabe ser lembrado para que se justifiquem duas certezas: a experiência Dilma Rousseff não traz nenhuma justificativa, senão a de argumentos velhos e obsoletos; e, no Brasil, repetindo-se o que aconteceu e acontece em todos os países do mundo, sua experimentação menor levou ao desemprego, recessão e endividamento junto ao FMI. O que encontraremos até fins de 2015. Os jovens economistas recrutados pelo Estado, no período FHC, tinham praticamente todos esse tipo de formação, os Chicago’s boys , os que produziram façanha de levar o Brasil, em curto espaço de tempo, a três momentos de falência. Foram eles os depreciadores do “pensamento da CEPAL”, inventando a expressão “desenvolvimentismo nacionalista”, que não se aplica a nenhum momento da história da economia nacional. O Brasil teve desenvolvimento nacionalista no governo Vargas, e desenvolvimentismo internacionalizante com JK. E isso teve um objetivo, que alcançaram e que precisa agora ser revertido: fizeram com que se esquecesse a necessidade primária das reformas de base. Tudo isso precisa ser tomado em conta, para que não se minimize o problema, com o pedido da cabeça de Levy. Ele é propositadamente um executivo de segunda linha do banco Bradesco. Foi designado pelo sistema financeiro para que, claramente, seja um cumpridor de ordens. Não cabe nenhuma discussão com ele. Como passo final, será em breve exigida a independência do Banco Central. Os juros prosseguirão subindo, até fins de 2015 podendo chegar aos 20%. A dívida pública irá aumentando, em junho subindo em 3,5%, chegando a R$ 2,58 trilhões. E assim vai sendo construída a “dívida impagável”, que nos porá de volta nos braços do FMI, que concederá ao Brasil a caridade de bons empréstimos, ao preço de entrega da Petrobrás. A jogada da Máfia do Petróleo. Para os mais adeptos de São Tomé, use-se a palavra de Alan Blinder, professor em Princeton e antigo vice-presidente do Federal Reserve Board, entre 1994 e 1996. Ele trabalha com o conceito de política monetária neutra. Imaginar uma taxa de juros real neutra fica acima da competência intelectual de quem cria uma teoria da taxa de juros como moto contínuo. Não serve aos que querem um Banco Central independente, que faça da taxa de juros o aríete que vai derrubar as nossas pequenas muralhas. Para o mesmo Blinder, “dar a um banco central autoridade e independência é uma concessão impropria. Um banco central tem que obedecer à vontade pública, tendo independência de instrumentos e não de objetivo”. Se o objetivo de Dilma Rousseff é entregar a Petrobras ao capital financeiro internacional, ela que o diga, abandonando a mendacidade que vai corroendo a sua autoridade. Entendamos que uma taxa de juros exorbitante é apenas o instrumento de execução de uma política de expropriação da independência nacional. O que fazer então: voltemos ao que propunham os estruturalistas dos anos 50. Inflação é resultado de disfunções estruturais. Vamos revolucionar o modelo agrário-exportador, para que passe a ser prioritária a alimentação do povo brasileiro. Vamos criar um sistema tributário justo, onde todos paguem e os mais ricos paguem proporcionalmente, como proprietários da quase totalidade da riqueza nacional. Vamos reformar a nossa Justiça, para que ela readquira dignidade. Vamos revolucionar os procedimentos políticos. Vamos conceber e parir uma Constituição de verdade. Impossível? Não. Mas seria preciso que a presidente explique como e porque mentiu. Traga de volta ao povo a palavra de seu antigo ministro da Fazenda, para que os dois, ela e ele, possam ser absolvidos ou condenados. Dilma Rousseff está diante de um dilema muito maior do que seria aquele que envolvesse a substituição de um ministro. Ela precisa optar: ou junta-se aos que querem um Brasil justo e igual para todos os brasileiros, ou trai a todos os que a apoiaram. Poderá concluir o seu mandato sim como heroína. é o que esperamos. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
Crônica de uma crise anunciada
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Sexta, 07 de Agosto de 2015 às 04:00, por: CdB