A economia brasileira está seriamente doente. A crise põe-se à mostra: negócios fechando, desemprego crescente, violência e insegurança recrudescendo. A atual é uma das muitas provenientes da enfermidade estrutural e crônica que assola o País, há mais de 60 anos. Sem ordem constitucional de verdade não há como sair do atoleiro, pois os beneficiários da corrupção sistêmica a institucionalizaram e criaram mecanismos, em todas as esferas do poder, para aprofundá-la. Os desequilíbrios agravam-se, porque o poder, sob todos os regimes e governos que se têm sucedido, é controlado pelos que acumulam poder através do dinheiro e faturam com os desequilíbrios. Aristóteles ensinou que o hábito forma uma segunda natureza. Então, há muito tempo, através da psicologia aplicada - e utilizando formadores de opinião e o crédito de instituições supostamente científicas - o sistema de poder acostuma as pessoas a ignorar as causas da doença política e social. A economia brasileira perde qualidade através da concentração, da desnacionalização, da desindustrialização e do consequente empobrecimento tecnológico. Afora a indústria, prejudicada desde meados dos anos 50, as infraestruturas foram deterioradas e privatizadas, principalmente a partir dos anos 90. A regulação dos serviços favorece a manipulação dos preços de suas tarifas e a falta de qualidade, sob o beneplácito das agências, ao bel prazer dos carteis que os controlam. Nessas fabulosas negociatas - que a grande mídia nunca denunciou - foram entregues a carteis estrangeiros as infraestruturas construídas e pagas pelo Estado. Além disso, privatizaram-se e desnacionalizaram-se bancos, cada vez mais favorecidos pela legislação e pelo BACEN. A entrega dos monopólios das infraestrutura e as normas pró-carteis da precificação de suas tarifas tornaram-se causa maior da alta da inflação. Daí também, e em combinação com a produção industrial dominada por carteis transnacionais, advém a perda de competitividade da economia e os déficits nas transações correntes, formadores da dívida externa. Na lógica perversa do sistema, em vez de se construir uma infraestrutura eficiente e independente, finge-se combater a inflação através da elevação das taxas de juros. Ora, aumentar os juros significa: fazer crescer as insuportáveis despesas financeiras do Tesouro, incapacitando-o de realizar os prementes investimentos de infraestrutura, baixar o "custo Brasil” e melhorar o grau de competitividade; elevar a taxa de inflação, uma vez que os juros são um dos custos de produção, além de dissuadir investimentos produtivos e assim reduzir a oferta de bens e serviços, determinante da alta dos preços; tornar ainda mais concentrada a renda e o poder nas mãos dos oligarcas financeiros: daí ser essa política promovida pelas "autoridades monetárias” e endossada pelos beneficiários das doações de grandes empresas e bancos às campanhas eleitorais. Mais efeitos estruturais negativos são gerados a pretexto de conter os preços através das importações, deixando de desvalorizar a taxa de câmbio em correspondência com a alta dos preços internos: agrava-se a falta de competitividade da indústria local e aumenta a desindustrialização. As empresas estatais foram entregues a preços muito abaixo de seu valor patrimonial, envolvendo a subavaliação dos lances iniciais, o pagamento em "moedas podres” (títulos de dívida desvalorizados) e a participação de fundos de pensão de estatais. Ainda por cima, a União despendeu centenas de bilhões de reais para sanear passivos trabalhistas e financeiros das empresas privatizadas. Assim, o Brasil tornou-se a casa da sogra dos carteis. Nas telecomunicações, até as tarifas promocionais são múltiplos enormes das normais do exterior. O serviço é de baixa qualidade, e áreas imensas ficam sem sinal. Mudanças na Lei Geral das Telecomunicações (nº 9.472/97) permitiram a operação de telefonia e celular por um único conglomerado, e incentivos à concentração favoreceram as mega-empresas, apoiadas por ANATEL e CADE. No sistema elétrico, danos semelhantes ao País: a infraestrutura deteriorou-se, e, desde a privatização, as tarifas elevaram-se em cerca de 150%, acima da alta média dos preços. A Petrobrás, foi privada, desde sua fundação, do monopólio da distribuição, o segmento privilegiado da indústria do petróleo, feudo para obter grandes lucros e que nada produz. A estatal já tivera desgastes, mesmo antes dos pesados golpes decorrentes da Lei 9.497 de 1997, entre os quais sua desnacionalização parcial e a perda dos monopólios da prospecção e exploração. Desde 1955, a preponderância dos combustíveis fósseis, não-renováveis, esteve associada à deletéria expansão subsidiada da indústria automotiva, nas mãos dos carteis transnacionais, com a míngua de investimentos nas ferrovias e demais meios eficientes e econômicos, como a navegação fluvial e a marítima. A mesma linha pró-subdesenvolvimento – característica da política inaugurada em agosto de 1954 - faz que, nas hidrelétricas, a geração de energia seja grandemente diminuída, e os custos elevados. As mesmas normas e intervenções falsamente ambientais e pró-indígenas, impedem ou reduzem as eclusas, para grande dano do aproveitamento de rios e canais que tornariam baratíssimo o transporte interior no Brasil. A política pró-subdesenvolvimento fez, nos anos 90, entrar em cena os negócios corruptos do gás da Bolívia, em favor das angloamericanas Shell, BP e Enron, tendo o Brasil pagado pelos gasodutos e investido em termelétricas antieconômicas, sem falar nas alimentadas por óleo combustível. Ao mesmo tempo, impede-se que a energia de biomassa assuma o lugar principal que deve ter: Desvirtuando o Programa do Álcool, criado sob a liderança de Severo Gomes e Bautista Vidal, a partir de 1975; o etanol chegou a suprir integralmente a demanda de veículos novos produzidos no País, antes do final dos anos 80, mas concentrou-se em usinas e plantations gigantescas, que implicam transportar a cana a grandes distâncias e depois o álcool, de volta: a produção descentralizada, e combinada com alimentos, trazia vantagens econômicas, sociais e ecológicas; mas, nos últimos decênios o setor sucroalcooleiro passou a integrar o agronegócio e tem sido desnacionalizado; marginalizando a produção de óleos vegetais, com a escolha de matérias primas e tecnologias erradas, como o biodiesel, além de adotar a lógica concentradora, antieconômica e antissocial, dificultando o acesso ao mercado de cooperativas e pequenos produtores; coerentemente com a opção pela dependência tecnológica, não dando espaço à alcoolquímica e nem à oleoquímica; entre as fontes renováveis de energia, preferindo e subsidiando as de tecnologia proprietária de empresas estrangeiras, como a eólica e a solar. Juntamente com a desorganização econômica, política e social, fortalece-se a ordem colonial sobre o País, enquanto este perde a identidade nacional. O caminho para isso tem sido as respostas subalternas dos governos às crises recorrentes derivadas do modelo dependente. Ao contrário do que alegam, as autoridades monetárias não têm como sanear as finanças, levando à estratosfera a dívida do Tesouro. Com a composição e capitalização da elevadíssima taxa SELIC, o crescimento dessa dívida compromete, em definitivo, a independência do País. No círculo vicioso, a produção e o emprego caem, e os recursos que os viabilizariam, são carreados para o pagamento de impostos, a fim de sustentar rendas exclusivamente financeiras, enquanto definham as suscetíveis de gerar produção. A presente crise é pretexto para cortes profundos, também na área militar, vital para que se recupere algum grau de autonomia. Ela perdera substância, quando da crise da dívida externa do início dos anos 80. Dita crise resultara da estrutura industrial desnacionalizada e concentrada que fizera acumular déficits externos incompatíveis com a capacidade de pagamento do País. Hoje revivemos a daquela época, quando foram desativadas importantes indústrias de defesa, devido à falta de encomendas das Forças Armadas. A partir dos anos 80, não cessaram de ocorrer perdas e desnacionalizações de empresas brasileiras. Nos anos mais recentes, após um esforço de ressurgimento, promove-se, de novo, desmonte nas pastas militares, tendo o governo cortado R$ 500 milhões no projeto (KC-390) da EMBRAER, com mais de 1.000 engenheiros e 10.000 técnicos envolvidos. Podam-se também os projetos da HELIBRAS e os dos submarinos. Em suma, o País fica sem indústria e sem tecnologia, e à mercê das potências imperiais. O Reino Unido, à frente delas, obteve a demarcação de áreas imensas em Roraima e em outras regiões amazônicas, a pretexto de criar reservas indígenas e ecológicas. Pouco falta para essas áreas serem alijadas do território nacional. Todos deveriam saber que o Reino Unido ocupa as Ilhas Malvinas da Argentina há mais de duzentos anos e recusa-se a reconhecer a soberania platina sobre essa área rica em petróleo. A realidade do Brasil é a de um país dominado pelas corporações estrangeiras e desestruturado, que sofre a ssalto antigo, agora em fase aguda, desferido também sobre Petrobrás e à engenharia nacional, cujos conglomerados têm importante atuação nos segmentos tecnológicos da defesa. Por que o inimigo ataca, confiante? Por que nem a Petrobrás é mais unanimidade. Porque a coesão nacional foi dilacerada. Porque o País está sem liderança política alguma, digna de crédito, e sem que qualquer dos poderes do Estado o defenda. Adriano Benayon, é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
Crescimento do subdesenvolvimento
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Quarta, 17 de Junho de 2015 às 07:04, por: CdB