Toda a gritaria sobre os índices de crescimento - baixos - da economia brasileira foi canalizada para a quantidade: precisamos crescer mais! É certo. Não porque os outros crescem mais - queremos modelos de crescimento desordenados como o da Índia, por exemplo? - mas porque a economia brasileira precisa - e pode - crescer muito mais.
No entanto, não se ouviram vozes sobre o essencial: precisamos crescer de outra maneira. Buscar maior crescimento, no modelo atual, significa exportar mais, multiplicar a produção de automóveis e de outros produtos de luxo. E concentrar ainda mais a renda. É isto o que queremos e precisamos?
A economia brasileira já cresceu muito mais. Na época da ditadura militar - significativamente sob ditadura, tempos a que aparentemente ninguém mais quer voltar - o Brasil cresceu a 7%, a 10%, a 13% ao ano. A que preço? Com que transformações na sociedade brasileira? Beneficiando a quem, à custa de quem?
Sabemos que desde aquele momento o modelo econômico se voltou para a exportação e para o consumo suntuário, em detrimento da expansão do mercado interno de consumo de massas. O arrocho salarial era essencial à política econômica da ditadura. Degradaram-se os serviços públicos de educação e de saúde, o consumismo começou a se disseminar no lugar da solidariedade social. Acentuou-se a desigualdade social, com contenção repressiva do acesso popular ao consumo dos bens essências, enquanto o eixo dinâmico da economia se concentrava no consumo das elites e no mercado externo.
Podemos dizer que o modelo atual não se diferencia desse, com o elemento agravante de que a pauta exportadora regrediu, com peso crescente de produtos primários, a desvalorização correspondente e a criação menor e de piores empregos. Queremos crescer mais por este caminho, que acentuou as desigualdades? (O que fez melhorar, pela primeira vez, um pouco a desigualdade, foram as políticas sociais, na contramão do modelo econômico.)
O Brasil precisa crescer mais economicamente, mas sobretudo socialmente. Para o que é indispensável mudar o modelo econômico, sair de um modelo que tem como prioridade objetivos econômico-financeiros, e não sociais e culturais. É indispensável expandir a economia na direção do mercado interno de consumo popular, para o que é condição uma muito mais significativa elevação do poder de consumo da grande massa da população.
O crescimento com critérios sociais e culturais - qualitativos - não se contrapõem a um maior crescimento. Ao contrário: a distribuição de renda expande a capacidade de consumo da grande maioria da população, que por sua vez eleva a demanda dos bens produzidos por empresas que não demandam importações de insumos, que mais criam empregos e pagam impostos. Em suma, a reversão do modelo atual - que não gera um circuito de distribuição de renda, criação de empregos e pagamento de impostos - gera um circuito virtuoso, associando crescimento econômico com desenvolvimento social.
Essa reversão permitirá, finalmente, cumprir a promessa da prioridade do social, que tantas esperanças tinham suscitado. Teremos dado início ao pós-neoliberalismo.
Emir Sader é jornalista