A paciência e a razão terão que socorrer o governo nestes próximos meses, a fim de administrar, se não for possível resolvê-los, os conflitos represados, que ameaçam romper o dique institucional. Todos esses conflitos se resumem em um só: a brutal desigualdade entre ricos e pobres, manifestada na distribuição da renda, na arrecadação de tributos, na concentração de recursos orçamentários, no disparatado desenvolvimento regional e na invasão das cidades pelos escorraçados pela concentração da propriedade rural.
O que torna mais complicado o quadro nacional é o quadro internacional. É necessário ter a consciência de que os grandes executivos que dominam o mercado financeiro do mundo, mediante o controle de Wall Street e da City, decidiram, no fim da década dos 70, destruir os estados nacionais e os substituir por um comitê mundial de gestão. Como não poderiam destruir o estado de fora para dentro, cooptaram políticos conservadores, como Margareth Thatcher e Ronald Reagan para essa tarefa. A palavra de ordem foi a da revogação das leis que regulavam a economia. O pior é que grandes países, como o Brasil, que poderiam ter reagido com independência às imposições externas, aderiram alegremente ao modelo destruidor.
Em seu artigo publicado nesta sexta-feira (01/08) pelo New York Times, Paul Krugman, ao analisar a crise orçamentária da Califórnia e os esforços dos conservadores para a cassação eleitoral (recall) do governador Gray Davis, mostra que a situação é praticamente a mesma em todo o território norte-americano. O déficit californiano se agravou com os recentes investimentos na educação, arruinada pelos governos anteriores.
A posição dos opositores republicanos é a de que o governo deve, ao mesmo tempo, diminuir os impostos e cortar os gastos - ou, seja, inviabilizar o Estado. Aqui, a situação é mais ou menos igual: a carga tributária é das mais elevadas do mundo, mas reduzi-la não é possível, porque necessitamos de superávits primários, a fim de administrar a dívida, e não podemos reduzir mais ainda os gastos públicos, porque isso significará incontrolável desordem social. Os serviços públicos já se encontram desmantelados, a motivação do funcionalismo caiu com redução efetiva de seus vencimentos e a terceirização criminosa de alguns serviços - entre eles os de policiamento - os planos de demissão voluntária em empresas públicas privaram-nas de alguns de seus melhores quadros, atraídos pela iniciativa privada; a Federação se encontra escangalhada. Como ocorre nos Estados Unidos, os governadores dos Estados se encontram diante de gravíssimas crises, pela redução dos tributos recolhidos, em conseqüência da recessão da economia, e o desemprego incita as reivindicações sociais, mais intensas a cada dia.
A situação do governo federal nos Estados Unidos não é melhor do que a dos Estados em crise, segundo Krugman: o déficit da União já chega a um terço dos gastos previstos. Mas o governo norte-americano se socorre do mercado de capitais que, por sua vez, se abastece com os altos juros obtidos em seus negócios com o resto do mundo - principalmente os países "emergentes", como o Brasil.
Segundo informou o Banco Central, toda a brutal economia destes meses não bastou para pagar os juros de nossa dívida no mesmo período: obtivemos R$ 40 bilhões de superávit, e os encargos da dívida foram de R$ 75 bilhões no semestre. Se os juros não baixarem, e se o arrocho continuar, chegaremos ao fim do ano com R$ 150 bilhões de encargos, contra R$ 80 bilhões de economia, obtida no corte de programas sociais, e um déficit real de R$ 70 bilhões.
Muito desse dinheiro, como todos sabemos, irá para o Exterior, via bancos estrangeiros que aqui operam, e no serviço de rolagem da dívida externa, e nas remessas clandestinas. Conforme se sabe, só por Foz de Iguaçu, saíram, em poucos meses, cifra superior a essa importância. Por outro lado, há ainda o escoadouro da remessa de lucros: o Banco Santander, por exemplo, obt
Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024
Edições digital e impressa