Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2024

Câmara quer legalizar e descriminalizar a corrupção

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Quarta, 30 de Novembro de 2016 às 20:36, por: CdB

Deputados querem punir juízes e promotores que os incomodem, esquecendo-se da separação constitucional entre os Três Poderes. Querem a legalização e descriminalização da corrupção. Para isso, coxinhas e mortadelas seguem juntos.

Por Rui Martins, de Genebra:

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O alvo dos deputados de rabo preso é processar o juiz Sérgio Moro
Enfim, eles, os nossos honestos deputados, tiveram a coragem de, no silêncio da madrugada, enfrentar a opinião pública. E pudemos ver coxinhas e mortadelas abraçados, juntos, todos unidos para defender a continuação do festival de corrupção que assola o país contra os procuradores, juízes e Polícia Federal. 
 
Não faltou nem a ousada e combativa Jandira Feghali, acompanhada de dois terços de deputados do PSol. Só a Rede não entrou na bandalheira e os Verdes, mas um dos verdes não resistiu à tentação e ficou com a vergonhosa maioria.
 
Falsos, nossos deputados transformaram o projeto de lei da 10 Medidas anticorrupção numa água de rosas inócua, sem qualquer utilidade, em mais um instrumento de enganação em defesa dos corruptos.
 
Na verdade, esse projeto hediondo é inconstitucional porque a última emenda fere o princípio da separação entre os Três Poderes, interferindo no Judiciário e ameaçando mesmo punir promotores e juízes por abuso de autoridade. Entenda-se por abuso de autoridades qualquer abertura de processo ou condenação de político envolvido em propinas e corrupção.
 
Apesar da nossa revolta que é a revolta de todos os brasileiros, forçoso é se reconhecer a originalidade e singularidade da medida. Tenho a certeza de que em nenhum outro país, por mais corrupto que fosse, seus deputados tiveram essa brilhante ideia de inverter a ordem moral ou ética - em lugar da Justiça processar e julgar os corruptos, são os corruptos que assumem a função de colocar no banco dos réus os promotores e juízes, ameaçando-os até de prisão (!!!) caso se atrevam a enquadrar na lei qualquer membro do legislativo ou qualquer autoridade.
 
A indignidade é total, sobram até ameaças para a imprensa, proibida de dar publicidade a qualquer dos processos que algum juiz ousar abrir. Indignidade é pouco, há também muita indecência nessa tramoia feita em cima de uma petição de mais de dois milhões e meio de brasileiros em favor de uma lei anticorrupção.
 
Não é de se estranhar a declaração da presidente do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República. Todos sabem ser a Operação Laca Jato o alvo dessa mobilização das bancadas corruptas na Câmara. Será que o Senado irá aprovar igualmente essa lei digna de bandidos? Provavelmente, pois muitos senadores estão com o rabo preso por corrupção.
 
E o presidente não irá temer assinar e promulgar uma lei condenada pela população? Talvez não. Antes se poderia dizer - "no Brasil não há lei", mas logo se poderá dizer "o Brasil é o único país com uma lei em defesa da corrupção!". Maravilhoso Brasil, sempre com suas invenções inéditas e inesperadas.
 
Quando José Dirceu, nosso Maquiavel em recesso, assumiu o poder via Lula, logo percebeu a impossibilidade de governar sem maioria na Câmara e no Senado.  Porém, esperto, teve a brilhante ideia de utilizar a tendência corrupta dos nossos parlamentares, corrompendo-os mais um pouco com o mensalão. Em muitos países civilizados, como a França e a Alemanha, houve casos sérios de financiamento de partido, portanto até nesses países havia corrupção. Mas a genialidade de Dirceu foi a inovação de repartir propinas entre os parlamentares a troco de votos favoráveis ao governo Lula na Câmara e no Senado.
 
O problema não foi a revelação pública do mensalão, mostrando o que para os petistas era uma espécie de corrupção positiva, pois permitia a Lula governar. O problema se tornou grave quando Dirceu imaginou algo maior - fortalecer o PT com propinas das grandes empresas, para se tornar um partido rico, forte e capaz de se manter mais tempo no poder. Isso se tornou mais complicado porque institucionalizava a prática da corrupção como ideologia dentro da cúpula do partido, sem conhecimento das bases, alimentadas com a ilusão de um partido incorruptível.
 
E acabou se complicando porque, ao que parece, a corrupção, antes de provocar uma metástase fatal, se torna altamente infeciosa, podendo infectar os que a manuseiam. Foi o que acabou acontecendo com o próprio Dirceu e com o próprio aparelho do PT. Dizem até com Lula, que continua jurando não haver provas.
 
Porém o pior de tudo foi a vulgarização infeciosa da corrupção dentro do governo e entre os parlamentares da oposição, levando a superdimensionar os valores subtraídos para o partido e para os próprios bolsos. Ou seja, do roubo de tostões passou-se aos milhões, gerando um afrouxamento generalizado da moralidade.
 
O Brasil vive a fase final da metástase do câncer da corrupção, que atingiu os órgãos importantes da República. A ideologia inicial da utilização da corrupção para governar não deu certo, acabou dando resultado mesmo contrário, porém tornou a corrupção aceitável, a ponto de quase todos os partidos terem votado, sem vergonha nenhuma, pela proteção dos corruptos e pela punição dos juízes e promotores bisbilhoteiros e incorruptíveis.
 
Qual será o fim dessa história? Sérgio Moro processado com o arquivamento dos processos da Lava Jato?
Provavelmente. E o Brasil se tornará, sem qualquer vergonha pois já se acostumou com a corrupção, no primeiro país a legalizar, proteger  e descriminalizar a corrupção, havendo os partidos e políticos corruptos de direita e os partidos e políticos corruptos de esquerda.
 
 
 
Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle.

Editor do Direto da Redação.

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