As autoridades norte-americanas estão violando a ética ao proporem que as diretrizes internacionais que protegem pacientes não se apliquem a pesquisas clínicas realizadas no exterior, disseram críticos na quinta-feira.
Dirceu Greco, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Peter Lurie, da entidade Public Citizen, disseram que os planos de isentar as pesquisas feitas no exterior dos limites da Declaração de Helsinque são um exemplo de como Washington ignora acordos internacionais.
A declaração, redigida por 82 associações médicas nacionais, exige que os pacientes que participem de pesquisas clínicas tenham garantias de que continuarão a receber os medicamentos após o final do estudo. Ela também impõe certos limites ao uso de placebos em pesquisas realizadas em países subdesenvolvidos.
Atualmente, a FDA (órgão que regulamenta o uso de medicamentos e alimentos nos EUA) exige que estudos relativos a novas drogas sejam realizados de acordo com a Declaração de Helsinque ou com as leis nacionais, o que oferecer mais proteção aos pacientes.
Mas propostas feitas no ano passado modificariam as regras para que determinados estudos não tenham mais de respeitar a declaração, apenas as práticas clínicas reconhecidas.
Robert Temple, diretor-associado da FDA para Políticas Médicas, disse que as "necessidades éticas" dos estudos já estão "bem cobertas" pelos padrões clínicos vigentes. Ele disse compreender as razões que levam à exigência de fornecimento dos medicamentos após o estudo, mas afirmou que isso não está claro em alguns casos.
Por exemplo, se um paciente participar de um estudo de quatro semanas sobre um medicamento contra hipertensão, "isso significa que o patrocinador da pesquisa deve a ele um tratamento para pressão pelo resto da vida? Essa não parece ser uma necessidade ética óbvia", afirmou.
Ele também lembrou que outros países têm liberdade para impor regras adicionais a pesquisas feitas em seus territórios. "Não estamos de forma alguma dizendo o que os outros países devem fazer. Eles podem impor qualquer exigência que desejarem", disse Temple.
Mas Lurie e Greco consideram que essas medidas excepcionais adotadas pelos EUA são uma tendência crescente, verificada também no fato de o país não reconhecer tratados como o de Kyoto (contra o aquecimento global), contra minas terrestres e contra armas biológicas, entre outros.
"Não deveria ser surpreendente, portanto, que este pendor pelo excepcionalismo também tenha infectado as políticas dos EUA com relação à experimentação humana", escreveram eles na edição desta semana da revista médica Lancet.
"Seria trágico se a tendência dos EUA de desprezar arrogantemente os costumes internacionais tenha a declaração de Helsinque como mais uma vítima, da mesma forma como o presidente George W. Bush despreza o universalismo dos direitos humanos."