Capuzes ensanguentados e prisioneiros assustados, amarrados pelos pés ou obrigados a ficar em posições eróticas, não são exatamente as imagens que se espera de Fernando Botero, o artista colombiano conhecido por suas musas joviais e rechonchudas. Mas é isso que o visitante encontra em uma exposição inaugurada na quinta-feira em Roma.
Em meio às telas que mostram cardeais, presidentes e prostitutas corpulentos da Colômbia, aparece uma sala repleta com "os horrores de Abu Ghraib", uma série exibida pela primeira vez ao público.
O mais conhecido artista latino-americano vivo rompeu com sua tradição no ano passado, após ler uma reportagem sobre os abusos cometidos por militares norte-americanos contra os presos iraquianos de Abu Ghraib, nos arredores de Bagdá.
"Há muitas coisas que me atingem, mas a tortura em Abu Ghraib é algo diferente", disse o pintor e escultor, de 73 anos, em uma entrevista coletiva que abriu a exposição. "Eu não esperava, como a maioria das pessoas, a maioria dos norte-americanos, esta conduta por parte de um país dito civilizado."
Botero contou que leu a reportagem em um avião e que ficou tão irritado que imediatamente pegou um pedaço de papel e começou a esboçar os quadros da nova série.
Desde outubro, ele já produziu mais de 60 obras, incluindo 20 pinturas a óleo, sobre o assunto. Cerca de 45 delas estão expostas no Palazzo Venezia, de Roma, espaço habitualmente dedicado a artistas italianos mortos há muito tempo.
Em uma pintura, um prisioneiro despido da cintura para baixo aparece pendurado no teto da sua cela escura. Em outra, homens musculosos, vestindo lingeries femininas, são obrigados a se deitar uns sobre os outros.
Em vez de igrejas em tons pastéis e árvores tropicais, essas sombrias pinturas são coloridas por respingos de sangue, capuzes roxos e luvas plásticas azuis usadas pelos carcereiros.
Antes da inauguração, Botero disse à Reuters esperar que essas obras se tornem "um testemunho permanente de um grande crime", da mesma forma que "Guernica", de Picasso, é uma denúncia eterna sobre os horrores da Guerra Civil Espanhola.
"A primeira coisa que eu tinha a fazer era tirar isso do meu coração, mas a arte tem essa capacidade de continuar acusando, e espero que haja um impacto em longo prazo", afirmou.
A exposição acontece no mesmo palácio do século 15 que abrigava o gabinete do ditador Benito Mussolini. Da sacada, o líder fascista fazia seus discursos às massas.
A retrospectiva inclui mais de 200 pinturas, esboços e esculturas de Botero e fica em cartaz até 23 de setembro. A série sobre Abu Ghraib será depois exibida na Alemanha e na Grécia.