Os intensos debates acerca da atual experiência venezuelana revelam a curiosidade que provoca o dinâmico e emblemático governo de Hugo Chávez. Mais do que isso, parece se tratar também de um enorme questionamento a respeito das possibilidades de avanços nos países que buscam escolher caminhos distintos ao das políticas de corte neoliberal.
Um dos principais aspectos a ser ressaltado no âmbito da construção de políticas sociais na Venezuela de hoje diz respeito à compreensão da totalidade que representa para aquele governo a manifestação da exclusão social. Isto é, a pobreza, por exemplo, não tende a se referir apenas e tão somente à insuficiência de renda para o consumo básico, justamente porque é fundamentalmente um problema de natureza matricial, associado ao perfil do crescimento econômico e ao precário - quando não inexistente - acesso à educação, saúde, emprego, habitação, crédito, entre outros.
Apesar de não representar nenhuma novidade em termos de compreensão sensata da natureza de manifestação da exclusão social, surpreende, contudo, que na maior parte das vezes há registro de continuidade da lógica de enfrentamento setorial e fragmentado dos problemas sociais, quando não expostos simultaneamente à competição interburocrática e intra-esfera governamental. Em grande medida, as políticas sociais têm permanecido como uma espécie de moeda de troca a ser utilizado pela velha indústria assistencial e paternalista que mantém dependente o pobre ao tradicional e arcaico modelo político das elites de plantão.
Não obstante reconhecer que as somas comprometidas na área social - ainda que insuficientes - não são mais desprezíveis. Acontece, todavia, que grande parte do gasto social encontra-se aprisionado pelo compartilhamento das ações, o que termina resultando em elevados custos meios no atendimento setorializado dos pobres da saúde, da educação, do trabalho e assim por diante.
Ao que parece, a experiência atual venezuelana avança rapidamente para um outro padrão de gestão das políticas sociais, buscando ampliar a luta contra exclusão por meio das ações públicas de emancipação. De um lado, há os programas sociais de emergências nas áreas da saúde e educação.
Na saúde, por exemplo, destaca-se o programa de universalização da atenção direta, integral e preventiva, por intermédio de equipes médicas que, muitas vezes, devem residir próximas dos locais de moradia da população mais pobre (Misión Barrio Adentro). Já na área educacional, podem ser ressaltados três grandes programas governamentais.
O primeiro diz respeito ao programa de alfabetização massiva (Misión Robinson), que visa encerrar mais brevemente possível a etapa do analfabetismo no país, enquanto outros dois programas objetivam elevar o nível de escolaridade, como nos casos da Misión Ribas, que se dirige à rápida inclusão massiva de jovens no ensino médio, e da Misión Sucre, voltada ao amplo ingresso de jovens de baixa renda no ensino superior.
De outro lado, aparecem os programas de apoio ao desenvolvimento da infra-estrutura e à emancipação econômica, por meio das ações de desenvolvimento local. Em relação à infra-estrutura, pode ser mencionado a concentração de investimentos na construção tanto de escolas de tempo integral (3 mil em todo o território) quanto de habitação popular (150 mil moradias construídas em dois anos), bem como na atenção à reforma fundiária, que já atendeu a cinco milhões de pessoas (títulos de propriedade e assentamento familiar em terras agriculturáveis).
Na área de apoio ao desenvolvimento econômico local, cabe notar o conjunto de programas governamentais voltados, sobretudo, à emancipação dos negócios populares. Por isso, há a Misión Mercal, que se dirige ao avanço dos mercados populares, e a Misión Vuelvan Caras de apoio ao desenvolvimento econômico local, com forte ênfase no financiamento das frentes regionais de trabalho e do cooperativismo na produção, distribuição e consumo.