Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2024

Ao pó hás de tornar

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Terça, 28 de Abril de 2015 às 12:00, por: CdB
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Os ambientalistas americanos querem transformar em adubo os corpos do mortos
Ninguém pode descrever a Bíblia como um documento científico, mas há um ponto em que ela está irrefutavelmente, rigorosamente correta: somos pó e ao pó haveremos de tornar (Gênese, 3:19).
Nada portanto mais lógico do que a sugestão apresentada por uma arquiteta e ambientalista do estado norte-americano de Washington: a de que os seres humanos, depois de mortos, devem ser transformados em adubo.
A experiência já está em curso. Ainda outro dia uma mulher, falecida aos 78 anos, foi colocada em uma camada de aparas de madeira, vestida na camisola que trajava no hospital, além de um par de meias, e sobre ela foram colocadas mais aparas de madeira.
Nos Estados Unidos é progressivamente maior o número de pessoas, sintonizadas com a preservação ambiental, que pedem para serem sepultadas envoltas apenas em um lençol, em caixões degradáveis, mas os cemitérios estão assim mesmo cada vez mais congestionados.
Os ambientalistas também se opõem às cremações, que liberam gases do efeito estufa.
A arquiteta chama-se Katrina Spade e argumenta que o corpo humano é composto de nutrientes, como cascas de banana ou pó de café, e os cientistas estão de seu lado: eles  também acham que o corpo humano pode e deve ser aproveitado como adubo.
Nos Estados Unidos, em fazendas, já é prática comum transformar animais mortos em adubo. Em muitos estados, animais atropelados e mortos em estradas são também transformados em adubo.
O processo é muito simples: coloca-se um corpo humano ou de animal, rico em nitrogênio, imerso em material rico  em carbono, como aparas de madeira ou pó de serra, acrescentando mais nitrogênio, se necessário. A mistura deve ser mantida com bom grau de umidade. A atividade microbial fará o resto, “cozinhando” o produto.
As bactérias liberam enzimas que decompõem os tecidos em suas partes ou componentes,  como amino-ácidos, e eventualmente as moléculas ricas em nitrogênio combinam-se com as moléculas ricas em carbono, produzindo o adubo.
A temperatura durante as  reações bacterianas chega a 60 centígrados, às vezes até  mais, e o calor mata os agentes patogênicos. Se o processo é feito corretamente, não há mau cheiro. Os ossos também se transformam em adubo, embora levem mais tempo.
A ideia de Katrina Spade, que vem trabalhando no assunto com a antropóloga Cheryl Johnson, é que ao cabo de um mês ou pouco mais os membros da família podem recolher o adubo e usá-lo em seus jardins ou para plantar uma árvore.
- É uma vida que cria outras vidas  - diz ela.
Segundo Katrina Spade, um cadáver, misturado a  aparas de madeira ou pó de serra, produzirá adubo em quantidade suficiente para encher uma caixa de um metro cúbico.
- O que não for utilizado em um jardim ou para plantar uma árvore pode servir para parques públicos ou áreas de conservação da natureza, como fertilizantes. Nada será desperdiçado -  garante Katrina.
A transformação de cadáveres em adubo custa cerca de 2.500 dólares, segundo  a arquiteta, bem menos do que o custo de um enterro comum.
Katrina Spade diz que há também um elemento espiritual em sua ideia, pois a morte  se transforma em vida, o que traz conforto à família.
É como um tronco de árvore que cai na floresta e, algum tempo depois, faz brotar novas plantas.
Não sei se o projeto de Katrina Spade vai ter sucesso, mas ela já tem uma instalação projetada, que pode processar 30 cadáveres ao mesmo tempo.
Nos Estados Unidos, é comum que cadáveres sejam tratados com formol, antes de serem enterrados.
É um processo que Katrina Spade condena, pois o formol é um agente cancerígeno.
O costume surgiu  durante a Guerra Civil, quando corpos de soldados do Norte precisavam ser preservados e transportados dos campos de batalha no Sul, para suas famílias.
Quanto á cremação, ela a considera “anti-natural”. James Olson, diretor de uma funerária, concorda.
- Você precisa queimar os cadáveres a uma temperatura altíssima, de cerca de mil graus, e ainda precisa triturar os
ossos em uma máquina.
Talvez o melhor mesmo seja fomentar novas vidas através da morte.
José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. Cobriu Jogos Olímpicos e Copas do Mundo no exterior. Foi locutor, comentarista, colunista e supervisor da ESPN Internacional e ESPN do Brasil. Colabora com a Gazeta Esportiva. Escreveu Com Esperança no Coração sobre emigrantes brasileiros nos EUA e Sabor de Mar. É intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive. Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.
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