Em apenas dez dias, o republicano usa o Estado para caçar latinos, eliminar direitos e encorajar o avanço global da extrema-direita.
Por Josué Medeiros – do Rio de Janeiro
Com apenas 10 dias de governo, a presidência de Donald Trump já deixa claro seu projeto estratégico: um regime que impulsiona o fascismo tanto internamente quanto no cenário global. Por trás da verborragia pirotécnica do republicano, a máquina da repressão já opera a pleno vapor, mobilizando o Estado e milícias privadas para consolidar um modelo de perseguição racial e política sem precedentes na história recente dos Estados Unidos.

A política de deportação de imigrantes ilegais, longe de ser apenas uma ação estatal repressiva, tornou-se um movimento que estimula e legitima a ação de grupos paramilitares contra qualquer pessoa considerada estrangeira. O foco inicial são os latinos, que representam 19% da população dos EUA. Paralelamente ao endurecimento do aparato policial na identificação de imigrantes sem documentação e ao reforço das patrulhas na fronteira com o México, instaurou-se uma verdadeira caça à cidadania latina. Milicianos trumpistas armados circulam pelas ruas e inundam as redes sociais, agora liberadas de qualquer restrição a discursos de ódio, com ameaças de invasões a residências e perseguições em locais de trabalho e escolas. Há registros de denúncias feitas por vizinhos, colegas de trabalho e até por estudantes contra seus próprios amigos.
O resultado é um clima de terror generalizado. Famílias latinas retiram seus filhos das escolas, trabalhadores abandonam seus empregos e cidades inteiras vivem sob um estado de medo. Os relatos de latinos arrependidos por votarem em Trump evidenciam um mecanismo clássico do fascismo: mobilizar setores populares para depois usá-los como alvo de sua própria engrenagem repressiva.
No plano governamental, essa escala também segue em ritmo acelerado. Trump anunciou que Guantánamo, tradicional palco de barbáries cometidas pelos EUA, será transformado em um centro de detenção para 30 mil imigrantes considerados “criminosos”. O presidente também assinou uma ordem administrativa que autoriza a prisão de imigrantes acusados de furto, ampliando a capacidade estatal de perseguição e encarceramento em massa. O modelo do salvadorenho Nayib Bukele, que mantém dezenas de milhares de presos sem julgamento, parece ser a inspiração.
Além da política migratória, Trump avança na repressão a políticas de diversidade e inclusão. Órgãos federais receberam ordens para eliminar programas voltados à igualdade racial e de gênero, bem como iniciativas de defesa dos direitos LGBTQIA+. Servidores públicos estão sendo pressionados a denunciar colegas e forçados a pedir demissão caso discordem das novas diretrizes.
O que se desenha é um típico processo fascista: um Estado que estimula e legaliza milícias para perseguir setores específicos da população, promovendo uma identidade nacional e racial “pura”. Quando o esgotamento da caça aos latinos diminuir seu apelo mobilizador, novos alvos surgirão, a população negra, os muçulmanos e árabes, e, inevitavelmente, a comunidade chinesa.
Trump fortalece lideranças extremistas
No plano internacional, Trump fortalece lideranças extremistas e incentiva a radicalização da extrema-direita. Na Argentina, Javier Milei anuncia restrições fronteiriças mais rígidas, especialmente com a Bolívia. Na Alemanha, Elon Musk, que, na posse de Trump, fez um gesto abertamente nazista, interfere na política local em apoio ao partido neonazista AfD, hoje a segunda força do país.
A resistência, no entanto, já se articula. Vinte estados norte-americanos ingressaram com ações judiciais contra a revogação de direitos de imigrantes. O judiciário forçou Trump a recuar da suspensão do financiamento de ONGs e agências multilaterais.
A América Latina pode ter um papel decisivo nesse embate. A carta do presidente colombiano Gustavo Petro dá o tom de um caminho programático de resistência. No México, a presidente Claudia Sheinbaum lançou centros de acolhimento e aplicativos para localizar imigrantes perseguidos, um possível embrião de uma política regional de proteção às vítimas das deportações em massa. A Celac convocou uma reunião de emergência, posteriormente cancelada, e os presidentes Lula e Gabriel Boric já abriram diálogo sobre o tema.
Por fim, a América Latina e, em particular, o Brasil, vêm consolidando laços estratégicos com a China, principal rival dos EUA na disputa global. Não por acaso, Trump começou a moderar o tom em relação a Pequim, substituindo a retórica belicista da campanha por acenos a um amplo acordo comercial. Essa ambiguidade abre uma janela geopolítica para que a América Latina se posicione não apenas como um polo de resistência ao fascismo, mas também como um eixo fundamental de contrapeso ao expansionismo trumpista.
Josué Medeiros, é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).
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