Os dados revelam um quadro de precariedade crônica. As causas incluem tanto fatores relacionados à segurança pública, como tiroteios, furtos de cabos e atos de vandalismo.
Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro
Andar de trem no Rio de Janeiro em 2024 foi, para milhares de passageiros, um desafio diário marcado por insegurança, interrupções e descaso. Segundo dados divulgados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes do Rio de Janeiro (Agetransp), o sistema ferroviário metropolitano, que liga a capital a outros 11 municípios fluminenses, teve 6.337 viagens canceladas ou interrompidas ao longo do ano passado. Isso equivale, em média, a 17 supressões de partidas por dia.

Os dados revelam um quadro de precariedade crônica. As causas incluem tanto fatores relacionados à segurança pública, como tiroteios, furtos de cabos e atos de vandalismo, quanto motivos operacionais, como falhas técnicas e quebras dos trens. Diante da situação crítica, o governo do estado decidiu intervir. Em dezembro de 2024, firmou um acordo judicial com a SuperVia, empresa que opera os trens desde 1998, para reassumir o controle do serviço até setembro de 2025.
A partir dessa transição, a Secretaria Estadual de Transportes promete investir R$ 300 milhões no sistema ferroviário para garantir a continuidade e a melhoria da operação. Paralelamente, uma comissão composta por técnicos da Secretaria e da Casa Civil trabalha na modelagem de uma nova concessão, que deverá ser licitada nos próximos meses.
Tarifa poderá cair para R$ 4,70
Um dos pontos centrais em discussão é o modelo de remuneração da futura operadora. A proposta mais avançada é que o Estado mantenha o controle da arrecadação tarifária e pague à empresa contratada com base no número de quilômetros percorridos, sistema semelhante ao adotado nas barcas, que funciona por milha náutica navegada.
De acordo com o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, coordenador da Frente Parlamentar Pró-Ferrovias da Assembleia Legislativa do Rio, o novo modelo poderá permitir uma redução no valor da passagem, hoje em R$ 7,60 para quem não tem o benefício do Bilhete Único.
– Possivelmente, não tem como ser diferente. Vai repetir a modelagem das barcas. O estado toma posse novamente da concessão, fica dono da bilheteria e da tarifa e, por consequência, o estado contrata alguém para operar o serviço. Sem dúvida nenhuma, isso já está sendo estudado, o barateamento da tarifa para R$ 4,70. Evidentemente, o trilho não pode ter tarifa maior do que o ônibus – declarou o parlamentar.
Segurança é obstáculo central, dizem especialistas
Para que o sistema funcione adequadamente, o desafio vai além da reestruturação contratual. A questão da segurança pública é apontada por especialistas como o principal gargalo do transporte ferroviário de passageiros no estado.
Marcus Quintella, diretor do Centro de Estudos, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou que, enquanto não forem resolvidos problemas como invasões de faixa, furtos de cabos e domínio de estações por facções criminosas, nenhuma operação, pública ou privada, será eficiente.
– A questão número um é de segurança pública. Aí já não está mais na alçada da operadora, seja ela o Estado ou uma concessão privada. Porque o problema ali, você tem invasões de faixa, roubos de cabo, domínios de estações (pelo tráfico), quer dizer, isso aí não tem operação que dê jeito. Isso gera evasão de receita, dá problema de paralisação, fuga de passageiros etc – afirmou.
Quintella também destacou a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura ferroviária. Ele apontou que a SuperVia não recebe aportes significativos há anos e que sinalização, trilhos e sistemas de segurança estão defasados, afetando diretamente a frequência e a confiabilidade do serviço.
– Resolvido esse tipo de problema, temos dois fatores importantes. Um é o operacional: você tem que ter investimento. A SuperVia não recebe investimento há muitos anos, ela precisa melhorar seu processo, toda a sua sinalização. A sinalização hoje precisa ser melhorada, pois isso é uma questão de rapidez e segurança de tráfego, ou seja, diminuir os intervalos entre os trens, melhorar o sistema de horários, o sistema de segurança operacional. A parte de via permanente (trilhos) também precisa de muita recuperação. Então, você vai ter que ter um subsídio para investimento e para a operação – explicou.
Transição até setembro e expectativas
O processo de transição da SuperVia para o governo estadual está em curso e deve ser concluído até setembro. A partir daí, o estado assumirá a bilheteria e a definição tarifária, enquanto uma nova empresa, a ser escolhida por licitação, passará a operar os trens sob regras contratuais distintas da concessão atual.
A expectativa das autoridades é que, com o novo modelo, a tarifa fique mais acessível, o serviço mais confiável e o sistema ferroviário volte a ser uma alternativa viável para milhões de fluminenses. Mas, como indicam os dados da Agetransp e os especialistas ouvidos, sem enfrentar os problemas estruturais de segurança e infraestrutura, qualquer tentativa de reabilitar os trens corre o risco de descarrilar antes mesmo de sair do papel.