A derrubada de Bashar Al-Assad não basta para deter este declínio, que é real e tem causas objetivas, mas continua sempre sendo obrigatório analisar a “realidade concreta de forma concreta”.
Por Wevergton Brito – de Brasília
A queda do governo de Bashar Al-Assad foi uma incontestável vitória do imperialismo.
Vamos imaginar que a ofensiva dos grupos terroristas, iniciada em fins de novembro, tivesse sido contida e derrotada. Estaríamos todos os que se perfilam no campo anti-imperialista consequente a apontar mais uma “prova irrefutável” do declínio estadunidense.

A derrubada de Bashar Al-Assad não basta para deter este declínio, que é real e tem causas objetivas, mas continua sempre sendo obrigatório analisar a “realidade concreta de forma concreta”: o imperialismo e o sionismo saem fortalecidos com os últimos acontecimentos na Síria.
Se não bastassem outras evidências, basta ver a intensa comemoração em Washington e em Telavive pela vitória do grupo Organização para a Libertação do Levante (HTS, na sigla em Árabe) e como a mídia hegemônica aborda o assunto.
Um problema secundário para o imperialismo, em termos políticos, é que o HTS é até hoje considerado pela ONU e pelo próprio governo americano como uma organização terrorista, e ainda está de pé uma oferta estadunidense de US$ 10 milhões pela cabeça do chefe do grupo, Abu Mohammad al-Julani.
Como mudar isso sem revelar o “segredo” de que a definição de terrorismo e terrorista por parte dos EUA-Otan, atende somente a critérios de conveniência geopolítica?
Calma, para quem tem uma formidável máquina de propaganda a sua disposição, isso não é tarefa tão difícil assim.
Apesar de “terrorista” e com a cabeça a prêmio, Mohammad al-Julani, no dia 6/12, reparem: antes mesmo da conquista de Damasco, deu uma bem-comportada entrevista para a CNN. Vejam a foto, encabeçando a Súmula. Mohammad al-Julani aparece sem o costumeiro turbante e com a barba aparada e revela seu verdadeiro nome: Ahmed al-Sharaa.
Tudo muito coreografado e dirigido com precisão publicitária.
O texto da reportagem é amplamente favorável ao veterano terrorista. Também pudera, al-Julani começa atacando “iranianos e russos” e, segundo a emissora americana, “demonstrou confiança e tentou projetar modernidade em seu encontro com a CNN, que ocorreu à luz do dia e com pouca segurança”.
O leitor é informado, além disso, que al-Julani, cidadão saudita, como Osama Bin Laden, mudou desde os tempos em que integrava a Al-Qaeda, “uma pessoa aos 20 anos terá uma personalidade diferente de alguém aos 30 ou 40, e certamente aos 50. Isso é a natureza humana”, diz o terrorista redimido.
A reportagem da CNN garante ademais que a entrevista revela uma “reviravolta em relação à retórica radical” que al-Julani adotava antes. Diz a matéria: “Ele afirmou ser contra algumas das táticas mais brutais usadas por outros grupos jihadistas, o que levou ao rompimento de laços com eles. Também alegou que nunca esteve pessoalmente envolvido em ataques contra civis”.
Vamos combinar: pelo que a CNN nos apresenta, estamos praticamente diante de uma versão islâmica do Papa Francisco.
E a cantilena continua: “Quando a CNN visitou Aleppo mais cedo, a equipe encontrou uma cidade que parecia calma, apesar da tomada repentina pelos rebeldes na semana anterior. Os mercados estavam abertos, as pessoas caminhavam pelas ruas e a vida seguia em frente”.
A paz, sob o domínio desses doces terroristas (agora convertidos em “rebeldes”), só é quebrada, segundo a CNN, pelos vilões de sempre: “aviões russos pró-Assad, cujos bombardeios mataram dezenas de pessoas em áreas controladas pelos rebeldes”.
Enquanto os plácidos “rebeldes”, na versão da CNN, levam a paz às cidades conquistadas (ocioso frisar que a realidade é de assassinatos e crimes brutais), Israel está promovendo, impunemente, a destruição de toda a estrutura militar síria, sem ser incomodado pelos que derrubaram Bashar Al-Assad. Aliás, Al-Julani já declarou que deseja a amizade de Israel e que “não permitirá” que a Síria seja base para ataques contra os sionistas.
No campo progressista existem os que comemoram a queda de Bashar Al-Assad. Se você reparar bem, são os mesmos que disseram, no início dos anos 1990, que o fim da União Soviética e do campo socialista do Leste Europeu era uma “vitória das massas na luta pelo socialismo”.
A Síria, importante baluarte de apoio ao povo palestino, está neste momento, balcanizada. Nada indica que o HTS tenha capacidade, vontade ou compromisso com o Estado sírio, com sua integridade territorial e soberania, o que abre espaço para que os abutres do sionismo e da Otan dividam cada centímetro dos despojos.
Queda da Síria
A queda da Síria representa outro duro golpe no eixo da resistência que, no entanto, continua e continuará lutando, pois a resistência está enraizada profundamente na mente e nos corações dos milhões de árabes e mulçumanos. Na quarta-feira, o site Walla, citando fontes do comando Sul do exército israelense, revela que nos últimos meses 4 mil novos combatentes ingressaram nas Brigadas Ezzedin Al-Qassam (braço militar do Hamas), fenômeno que parece estar se repetindo com outras forças que enfrentam a ocupação sionista.
Não obstante a queda de Bashar Al-Assad, o imperialismo e o sionismo seguirão não tendo vida fácil no Oriente Médio e a tentativa de eternizar a opressão se depara com contradições insolúveis e está fadada ao fracasso, não importa quão impactante e hipócrita seja a narrativa de uma mídia corrompida e serviçal.
Wevergton Brito, é jornalista, vice-presidente nacional do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povos e Luta pela Paz).
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