Ao menos um destes contratos contou com verbas de emendas de relator por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, a Codevasf. A empresa foi utilizada para o esquema do orçamento secreto, por meio do qual parlamentares indicavam ao relator do Orçamento verbas para obras.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
Levantamento feito pelo Brasil de Fato mostra que um dos suspeitos de participar de um suposto esquema de compra de votos para o deputado federal e hoje ministro dos Esportes André Fufuca (PP-MA) conseguiu, com apenas 23 anos de idade, fechar pelo menos R$ 7,5 milhões em oito contratos com prefeituras do Maranhão entre 2019 e 2023.
Ao menos um destes contratos contou com verbas de emendas de relator por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, a Codevasf. A empresa foi utilizada para o esquema do orçamento secreto, por meio do qual parlamentares indicavam ao relator do Orçamento verbas para obras em seus redutos eleitorais sem serem identificados publicamente como autores das emendas. Dessa forma, o relator do orçamento fazia a indicação sem identificar os verdadeiros autores dos pedidos, prática que foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
O suspeito é Caio Rubens Vieira da Silva, que na época da batida da Polícia Federal tinha apenas 18 anos e foi flagrado escondendo um saco de dinheiro quando os policiais chegaram ao local onde ele estava, no município de Santa Luzia (MA), na noite véspera da eleição daquele ano.
Seu pai, Francisco Vieira, estava com ele no dia da batida da PF e, ao depor para os policiais naquele dia, disse que trabalhava de graça na campanha de Fufuca naquele ano por "amizade" que tinha com o parlamentar. Oficialmente, porém, nem Caio nem seu pai declararam ter prestado serviço para a campanha de Fufuca e, dos celulares apreendidos pela PF naquela noite, apenas o de Francisco estava zerado, sem nenhuma informação.
Como mostrou o Brasil de Fato, além do flagrante com a sacola de dinheiro, os investigadores se depararam com conversas no celular de Caio nas quais ele negocia abertamente a compra de votos, e chega a negociar uma chuteira de futebol em troca de voto.
Agora, um levantamento com base em contratos publicados no Diário Oficial da União mostra que o jovem que tem hoje 23 anos e mora em Santa Inês, município do interior do Maranhão onde também nasceu André Fufuca, construiu uma carreira de sucesso com obras para prefeituras do interior do estado que possui o pior IDH do país.
Urbanização, agricultura e refino de petróleo
A história de sucesso de Caio Vieira, filho de um dono de uma loja de carros em Santa Inês também flagrado na investigação da PF, começa em março de 2018, quando ele fundou, aos 18 anos, a Projeplan. A empresa tem capital social (isto é, o dinheiro que o sócio investe para iniciar a empresa) de R$ 600 mil e Caio como único sócio-administrador.
A companhia começou com atividades como “aluguel de máquinas”, “limpeza em prédios” e “imunização e controle de pragas urbanas”. Com o passar do tempo, o rol de atividades da Projeplan registradas na Receita Federal foi crescendo, se diversificando e, hoje, a companhia tem como atividade principal a construção de edifícios, mas também atua nas seguintes áreas: “fabricação de produtos do refino de petróleo”, “atividades de apoio à agricultura”, “obras de urbanização”, “construção de estações e redes de distribuição de energia elétrica”, dentre outros
Foi com esse perfil que a empresa conseguiu fechar, desde que foi fundada, oito contratos com cinco municípios do interior do Maranhão: Santa Luzia, Itapecuru-Mirim, Icatu, Poção de Pedras e Vitória do Mearim. Os contratos de maior valor foram assinados com a prefeitura de Santa Luzia, cidade localizada a 46 km de onde Caio mora e onde ele foi buscar votos para André Fufuca nas eleições de 2018.
Asfaltamento de ruas
Dos R$ 7,5 milhões em contratos fechados por sua empresa com prefeituras, R$ 4,7 milhões foram com o município de Santa Luzia, sendo um contrato de R$ 3,7 milhões para recuperação de estradas vicinais para diversos povoados da cidade, que segundo o Censo 2022 tem 57,6 mil habitantes. O contrato foi fechado em outubro de 2022 e seu prazo de vigência foi até abril deste ano. Naquele ano, Caio trabalhou oficialmente para a campanha de André Fufuca, que foi reeleito deputado federal pelo Maranhão. Segundo a prestação de contas de campanha do hoje ministro, Caio recebeu R$ 10 mil para trabalhar para a campanha.
Segundo a comissão de licitação da prefeitura, o preço oferecido pela Projeplan foi o menor na concorrência aberta para selecionar a companhia responsável pela obra. Além deste contrato, a Projeplan firmou em julho deste ano um contrato com a mesma prefeitura no valor de R$ 934,1 mil para asfaltar as ruas de um povoado chamado Faísa, localizado na zona rural de Santa Luzia. O prazo para a conclusão da obra é até 31 de dezembro de 2023.
Ao depor na Polícia Federal em 2018, Caio disse que no dia 6 de outubro, véspera do primeiro turno, ele, o pai Francisco Vieira e o empresário Marcus Vinícius foram jantar em uma churrascaria em Santa Luzia, onde também estava o vice-prefeito da cidade, Juscelino Junior. Na ocasião, o jovem afirmou aos investigadores que seu pai conhecia o vice-prefeito e que ele e seu pai chegaram a conversar lá, mas não entrou em mais detalhes. Reeleito em 2020, Juscelino Junior, do PP, é até hoje vice-prefeito do município. A prefeita do município é Francilene Paixão de Queiroz, conhecida como "Franca do Macaquinho" e também é do PP, mesmo partido do ministro do Esporte André Fufuca.
Codevasf
Dentre os contratos firmados pela Projeplan, em um deles aparece a Codevasf como fonte de recursos no Diário Oficial da União. Trata-se do contrato de R$ 937,8 mil assinado em novembro de 2021 com o município de Poção de Pedras, para “recuperação de estradas vicinais” da cidade, que segundo o Censo 2022 do IBGE tem 17,1 mil habitantes. Apesar de ser assinado com o município, a fonte de receita para o contrato foi a Codevasf, por meio de um convênio.
O contrato tinha um prazo inicial de encerramento em julho de 2022, mas foi assinado um aditivo que prorrogou esse prazo até dezembro do ano passado. Procurada, a Codevasf confirmou que o valor para este contrato foi enviado por meio de uma emenda de relator e que o repasse teve como objetivo "dinamizar o desenvolvimento rural, por meio do fomento à produção e ao escoamento da produção agrícola, ao abastecimento de comércios locais e ao transporte da população rural, por meio da melhoria de estradas vicinais que ligam a sede do município a povoados".
De todos os contratos com a empresa de Caio que foram divulgados no Diário Oficial da União, somente neste houve um erro na divulgação. Em um primeiro momento Caio não apareceu como responsável pela assinatura do contrato em nome da empresa, mas houve uma retificação o Diário Oficial em agosto de 2022 para que o nome dele constasse como sendo o responsável pela assinatura em nome da Projeplan.
Ainda de acordo com a Codevasf, em abril de 2023 houve vistoria técnica do objeto do convênio que constatou a execução de 93,3%. Como o contrato está em vigor até dia 31 de dezembro, a prefeitura tem até dia 29 de fevereiro do ano que vem para prestar contas. "Quando da apresentação da prestação de contas, haverá nova apuração do percentual de execução. Caso haja pendência de execução, serão adotadas providências para garantia da boa e regular aplicação dos recursos federais, em conformidade com o que dispõe a Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 424/2016", afirmou a Codevasf por meio de assessoria de imprensa.
Cinco prorrogações
O primeiro contrato firmado pela Projeplan com uma prefeitura do Maranhão, segundo o Diário Oficial da União, foi em junho de 2019 para reformar uma praça do município de Vitória do Mearim, cidade de 30 mil habitantes, no valor de R$ 492 mil. Os valores para o empreendimento, segundo consta no Dário Oficial, vieram de um convênio com o governo federal via Ministério do Turismo.
Com prazo inicial para ser concluída em 120 dias, o contrato para a obra da praça foi prorrogado cinco vezes e o prazo final acabou ficando para junho de 2021. Procurada, a pasta informou que a obra utilizou verba de emenda impositiva (que o governo federal tem obrigação de pagar) apresentada ao orçamento de 2017 pelo então senador João Alberto Souza (MDB-MA) e que foi 100% concluída. João Alberto Souza não possui mandato atualmente.
"O repasse atendeu proposta contemplada com recursos de emenda parlamentar ao Orçamento de 2017 (orçamento impositivo), em observância a ações do Programa de Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística do Ministério do Turismo. A obra, que recebeu R$ 480,2 mil do MTur por meio da Caixa (outros R$ 12,5 mil foram de contrapartida local), foi 100% concluída em 2021 (o contrato tinha vigência até 31/12/2021) e teve a prestação de contas aprovada pela Caixa", disse a pasta. Questionada sobre qual parlamentar foi responsável pela emenda o Ministério do Turismo não respondeu.
A reportagem entrou em contato com o advogado de Caio Vieira e também com os telefones de Caio que aparecem nos relatórios da PF, mas não obteve nenhum retorno até a conclusão dessa matéria.