Retirada do volume morto do Cantareira pode secar região de Piracicaba e Campinas
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Quinta, 09 de Outubro de 2014 às 07:00, por: CdB
A utilização da segunda cota de água do volume morto do Sistema Cantareira pode prejudicar o abastecimento de, pelo menos, 5 milhões de pessoas nas cidades que compõem a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacia PCJ).
Essa é a avaliação do Ministério Público Estadual (MPE) e do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, que ingressaram com ação civil pública pedindo que a Sabesp seja impedida de utilizar a cota e elabore, junto aos órgãos reguladores, planos efetivos de contingência para garantir o fornecimento de água para a Bacia PCJ e região metropolitana de São Paulo.
Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) Alexandra Facciolli Martins e Ivan Carneiro Castanheiro (Piracicaba), Rodrigo Sanches Garcia e Geraldo Navarro Cabañas (Campinas), e o procurador Leandro Zades Fernandes (MPF), a retirada da segunda cota nas represas de Jacareí, Atibainha e Jaguari vai levá-las a um nível muito próximo do limite de capacidade de escoamento das tubulações que seguem o curso dos rios Atibaia e Jaguari.
A retirada de água do Sistema Cantareira para fornecimento na região metropolitana de São Paulo já está abaixo do nível das comportas. Para resolver o problema foram instaladas bombas de sucção, ao custo de R$ 80 milhões. Se a retirada da segunda cota do volume morto ocorrer, o nível pode ficar abaixo das comportas que vão para a bacia PCJ. “Essas cidades não são atendidas pela Sabesp e não têm como bancar um investimento desse nível. Como vão fazer?”, questionou Garcia.
Com a medida, o volume de água que corre para o rio Piracicaba vai baixar mais, tornando impossível a captação, feita na superfície. “A concentração de poluentes e de matéria orgânica na água já vem tornando seu tratamento muito custoso. Além de ser difícil garantir uma potabilidade em níveis adequados de segurança. Se reduzir mais dependeremos apenas dos afluentes, o que vai tornar o abastecimento inviável”, explicou Alexandra.
Os promotores ressaltaram ainda que a água é compartilhada entre a região metropolitana de São Paulo e a Bacia PCJ, sendo que a segunda é que doa água para a primeira. Mas vem recebendo, proporcionalmente, 40% menos água do que tem direito pelas definições da Agência Nacional de Águas (ANA). “Nós não podemos ser mais prejudicados. Compartilhamos a água, então compartilhemos também as dificuldades”, defendeu Alexandra.
Na ação, os promotores reivindicam ainda que a Justiça determine à Sabesp, a ANA e ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) de São Paulo que reduzam a retirada de água do Sistema Cantareira e retomem a elaboração de planos para garantir o abastecimento de água nas duas regiões. “Desde o dia 1º de julho não são emitidos novos comunicados e resoluções sobre a gestão do sistema. Esse vazio é inaceitável sobretudo no momento de maior estiagem. E se tornou pior por conta do não cumprimento das resoluções definidas”, destacou Alexandra.
Embora não falem ainda em responsabilidades pelo ocorrido, os promotores avaliam que a Sabesp e as agências reguladoras tinham também condições de ter se precavido sobre a situação, pois dispunham de estudos e mapeamentos com informações suficientes para se antecipar a crise. E que agora não podem se furtar na condução da situação. O promotores citam estudos da Universidade de Campinas (Unicamp) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que demonstravam o risco de seca.
Para eles, basta observar os horizontes definidos pelo próprio Grupo Técnico de Assessoramento e Gestão (GTAG) do Cantareira para perceber que as ações não tiveram êxito. “A água do volume útil devia ter durado até outubro. Mas o volume morto começou a ser utilizado em junho, quatro meses antes. Agora, o volume morto deve acabar em novembro. E querem utilizar a segunda cota. Claramente, está havendo uma gestão de risco”, afirmou Alexandra.
A Sabesp, em especial, dizem os promotores, conhecia os problemas desde 2012, mas não tomou nenhuma atitude. A estatal remeteu a seus investidores em Washington o Relatório Anual 20-F 2013, em que relata que o volume de chuvas seria abaixo da média nos anos de 2012 e 2013. Mas nenhuma atitude foi tomada.
“Paralelamente, foram os dois anos nos quais se obteve os maiores lucros líquidos da história da Companhia e de distribuição de dividendos, valendo observar que, neste período, o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez”, diz um trecho da ação.
- A Sabesp vê a água como um negócio - destacou Garcia, comentando que a água do Sistema Cantareira é a mais rentável porque demanda, cerca de oito vezes menos ações e produtos para tratamento do que a do sistema Guarapiranga, por exemplo.
Mesmo durante o acompanhamento da crise, a companhia não realizou as ações de redução de retirada de água dos sistemas conforme determinada no documento de outorga e também não atendeu plenamente às recomendações realizadas pelo MP.
Outro pedido da ação é justamente a exclusão da Sabesp do Grupo Técnico de Assessoramento e Gestão (GTAG) do Cantareira. Para os promotores, há um claro conflito de interesses na participação da estatal, cujo negócio é vender água, na definição de medidas restritivas. Eles afirmam que a própria composição do GTAG é questionável, já que os comitês de bacia e o DAEE são estaduais. Somente a ANA está ligada a outra esfera de governo – federal.
O instrumento Curva de Aversão a Risco foi bastante lembrado pelos promotores. O método define quanto de água pode ser retirada de acordo com o volume do manancial e a época do ano em que se encontra.
- É um instrumento reconhecido no mundo e é usado aqui pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para garantir que as represas de geração de energia tenham sempre condições de atuar sem risco de esvaziamento - explicou Garcia.
No entanto, a Sabesp ignorou o instrumento e continuou retirando o volume de água operacional normalmente: 36 metros cúbicos por segundo (m³/s).
Em janeiro deste ano, o volume útil era de 27,14 %. Conforme a tabela da Curva de Aversão a Risco, para esse volume, o limite de retirada deveria ser inferior a 29 m³/s. Porém, a vazão autorizada para o referido mês foi de 32,20 m³/s, situação que se repetiu em fevereiro, quando o volume era de 21,99%. Portanto, a retirada devia ser de até 28 m³/s, mas foi de 33 m³/s.
Não bastassem terem sido desconsideradas as Curvas de Aversão ao Risco, também foram ignoradas pelos órgãos gestores e pela Sabesp as baixas vazões dos afluentes e a redução da capacidade de regularização do Sistema Cantareira – 36 m³/s para atendimento de toda a demanda do Cantareira.
“Logicamente, era de se esperar a rápida redução do volume disponível do Sistema Cantareira, como ocorreu. Desde 2012 e 2013, as vazões afluentes têm sido comparativamente próximas àquelas do biênio 1953/1954, referência da pior estiagem registrada desde 1930. Neste ano, o quadro se agravou e as vazões médias de afluência continuaram sendo ínfimas”, diz outro trecho da ação.
Com tudo isso em mãos, junto aos recorrentes desprezos pelas recomendações do MP, não restou outro caminho senão ingressar com a ação judicial. “Último recurso” nas palavras dos promotores, que rechaçaram a ideia de que a demora na decisão teve caráter político. “São muitos estudos, muitos documentos, análises técnicas. Não é uma coisa que se resolve entre um dia e outro”, explicou Castanheiro. Segundo ele, a gota d'água foi a saída da Agência Nacional de Águas do GTAG, em setembro.
Para a promotora Alexandra, o principal é retomar o planejamento e a gestão, utilizando cenários os mais conservadores possíveis para avaliar riscos e perspectivas, buscando chegar em maio do próximo ano com, ao menos, 10% do volume útil da represa recomposto. “Não temos mais condições de ser otimistas”, frisou, em clara referência à expectativa da Sabesp e do governo estadual de que as chuvas virão.