A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
A retomada da votação do processo do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira levou à mobilização de centenas de indígenas que foram a Brasília representar seus povos. Os atos realizados horas antes do início da sessão decisiva no Supremo são o episódio mais recente de uma luta antiga.
Reunidos na capital federal, representantes de diversos povos concederam entrevista coletiva no fim da manhã, e reforçaram o posicionamento em defesa de um direito originário, que está seriamente ameaçado. No momento, a votação está em 2 a 1 a favor direitos dos indígenas. A retomada da discussão no Supremo nesta quarta acontece após pedido de vista de André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro à Corte.
– Nós estamos aqui para dar uma resposta para o Brasil. A demarcação dos territórios indígenas é a solução número um para barrar a crise climática. É impossível conceber um Brasil do futuro com decisões arcaicas. Hoje estão presentes aqui não somente 800 indígenas. Estão presentes mais de 1 milhão e 700 mil indígenas que estão em seus territórios se mobilizando – pontuou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Ela tem acompanhado os debates sobre o marco temporal de perto, tanto no Supremo quanto no Congresso Nacional, onde avança proposta sobre o tema. Apesar das dificuldades representada, por exemplo, pela força da bancada ruralista, ela se diz esperançosa.
– Nós queremos uma vida digna para o nosso povo, não mais com insulto, não mais com discriminação, não mais com tudo aquilo que é negativo ao nosso povo – disse Adão Xokleng, representante do povo Xokleng, que tem papel central nesse processo (leia mais sobre o marco temporal no fim deste texto). "Nós queremos dignidade. Não podemos negociar nossa mãe terra. Mãe não se vende, mãe não se empresta, mãe não se dá".
O advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, também participou da entrevista. Ele destacou a ansiedade pelo posicionamento de Cristiano Zanin, que chegou recentemente ao STF, indicado por Lula, e tem demonstrado posicionamentos conservadores.
– Nós temos um passivo gigantesco no que tange os direitos territoriais dos povos indígenas. Muitas dessas terras foram judicializadas, hoje se encontra nesse estado, aguardando decisão da Suprema Corte. Enquanto isso, o cenário de violência só se agrava e os conflitos socioambientais também. Precisamos garantir a dignidade dos povos indígenas, e nossa dignidade está vinculada à demarcação do nosso território – resumiu.
Chamado de "julgamento do século" por representantes dos povos indígenas, o debate no STF pode não terminar nesta quarta-feira. Não está descartada, por exemplo, a hipótese de um novo pedido de vista, que voltaria a postergar a decisão.
– Estamos pedindo reconhecimento dos nossos direitos: pela vida, pela terra e pelas futuras gerações que ainda há de vir. O Estado brasileiro tem uma dívida enorme conosco. Dizimaram nosso povo, acabaram com nossa língua, e não há dinheiro no mundo que pague isso – resumiu o vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Alcebias Constantino Sapará.
Entenda o julgamento
A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal. O trecho da Carta Magna aponta que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
– Esse argumento vem associado a uma possível garantia maior de segurança jurídica (para proprietários de terra) na demarcação de terras indígenas. No nosso ponto de vista, a segurança jurídica também precisa ser interpretada junto com os direitos originários às terras indígenas – contrapõe o assessor jurídico Pedro Martins, da organização Terra de Direitos, que acompanha o andamento do processo no STF.