Rio de Janeiro, 07 de Dezembro de 2025

PMs armados causam intimidação em escola infantil de SP

PMs armados intimidam escola em SP após pai contestar atividade sobre cultura afro-brasileira. Racismo religioso e coação são denunciados.

Terça, 18 de Novembro de 2025 às 12:25, por: CdB

Ação ocorreu depois que pai de estudante contestou tarefa sobre cultura afro-brasileira; diretora relata coação e sindicato denuncia racismo religioso.

Por Redação, com Agenda do Poder – do Rio de Janeiro

Uma atividade coletiva baseada no livro Ciranda de Aruanda, que apresenta elementos da mitologia dos orixás na cultura afro-brasileira, desencadeou um grave episódio de intimidação na Emei Antônio Bento, no Caxingui, Zona Oeste de São Paulo. A proposta fez parte das ações do ensino antirracista e marcou o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta-feira. Como tarefa, as crianças desenharam um dos personagens do livro, mas a iniciativa provocou irritação no pai de uma estudante de 4 anos.

PMs armados causam intimidação em escola infantil de SP | Emei Antônio Bento, em Caxingui, na zona oeste de São Paulo, onde quatro policiais entraram armados após pai, também militar, criticar trabalho sobre orixás feito pela filha de 4 anos
Emei Antônio Bento, em Caxingui, na zona oeste de São Paulo, onde quatro policiais entraram armados após pai, também militar, criticar trabalho sobre orixás feito pela filha de 4 anos

Evangélico e, segundo vizinhos, sargento da Polícia Militar, o homem reagiu de forma agressiva após tomar conhecimento da atividade. No dia seguinte, retornou à escola acompanhado de outros policiais, que portavam armas — um deles com metralhadora —, pressionando a direção e questionando o trabalho pedagógico realizado. A reportagem é do jornal Folha de S. Paulo.

Ameaças, rasgos e intimidação

De acordo com o boletim de ocorrência registrado pela diretora da escola, Aline Aparecida Floriano Nogueira, o pai buscou a filha normalmente na última terça-feira. Em seguida, voltou sozinho e abordou a professora, apontando o dedo em seu rosto enquanto dizia: “Tem coisas que eu não gosto, vocês estão incluindo umbanda na vida da minha filha, eu não aceito”.

Em meio às crianças, ele rasgou parte da atividade que a filha havia feito. A diretora relata que tentou dialogar, explicando que a proposta seguia o currículo da rede municipal e não configurava ensino religioso.

Um representante do conselho escolar relatou ainda que o pai chegou a afirmar: “Vou te ensinar como você vai ter de fazer seu trabalho”. A diretora respondeu que seguiria a legislação e apresentou a ele o caderno de educação antirracista adotado pela rede municipal.

A orientadora pediu que o pai formalizasse a reclamação em uma carta, para ser discutida na reunião do conselho no dia seguinte. Ele não voltou nem enviou o documento.

Policiais chegam armados à escola

No lugar dele, quatro policiais militares apareceram na escola na manhã seguinte. Armados e alegando denúncia de imposição de ensino religioso à criança, iniciaram uma série de questionamentos à diretora. Segundo relatos internos, Aline continuou sendo pressionada mesmo após explicar a situação e relembrar a conversa com o pai.

Diante do clima de coação, a equipe escolar chamou uma supervisora da Delegacia de Ensino, que orientou a escola a acionar a Guarda Civil Metropolitana. Os policiais só deixaram a unidade mais de uma hora depois, conversando com o pai da criança do lado de fora.

Em nota, o Sinpeem afirmou que a diretora passou mal após o episódio e recebeu apoio de funcionários e pais que se preparavam para a reunião do conselho.

Retorno do pai e novo constrangimento

Na semana passada, o homem voltou à escola e entrou na sala de aula com a filha, prática proibida na unidade. O gesto assustou a professora, que ficou extremamente nervosa. Um membro do conselho escolar também entrou na sala, segundo ele, para garantir a segurança da docente.

A Secretaria de Segurança Pública confirmou que a PM abriu investigação interna para apurar a conduta dos policiais envolvidos. “A Polícia Militar instaurou apuração sobre a conduta da equipe que atendeu à ocorrência, inclusive com a análise das imagens das câmeras corporais dos policiais”, disse a pasta.

A professora registrou boletim de ocorrência por ameaça contra o pai da criança e foi orientada sobre as medidas legais cabíveis.

Secretaria de Educação reforça caráter pedagógico

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que o pai recebeu esclarecimentos sobre o trabalho e destacou que a atividade integra o currículo obrigatório da cidade.

“A atividade faz parte de propostas pedagógicas da escola, que tornam obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena dentro do currículo da cidade de São Paulo”, disse a pasta.

O Sinpeem reforçou que a escola tem respaldo legal para trabalhar conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira. “É inaceitável que uma ação dessa natureza seja tratada como irregular e muito menos que provoque a presença de força policial armada dentro de um espaço destinado ao cuidado e à formação de crianças pequenas”, declarou o sindicato.

Reações e denúncias de racismo religioso

A editora Quatro Cantos, responsável pelo livro usado na atividade, também se pronunciou:

“Nunca ouvimos falar que algum pai tenha se oposto ao estudo da mitologia grega, ou ao estudo do cristianismo ou protestantismo. O preconceito é direcionado para religiões de origem africana, e isso tem nome: racismo religioso. Por sorte a lei 10.639/03 segue respaldando escolas e educadores para que essa luta continue. Axé!”

A legislação federal citada — a Lei 10.639 — tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todo o país.

Comunidade organiza ato em defesa da escola

Pais de estudantes e moradores do bairro marcaram uma manifestação em frente à escola para o próximo dia 25, às 15h, “para defender a escola, a educação municipal e as práticas da educação antirracista”.

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