Ao suspender e dois dias depois restabelecer as contas de jornalistas que cobriam as viagens do bilionário Elon Musk, o Twitter mostrou como as grandes redes sociais podem ser erráticas e imprevisíveis, afetando a vida de muita gente, sem prestar contas a ninguém. Mostrou também como a internet se tornou um instrumento de empresários ególatras como o polêmico novo dono do Twitter, cuja vontade pessoal pode se sobrepor a dos quase 450 milhões de usuários ativos na rede social do passarinho azul, em todo mundo.
Por Carlos Castilho
É como se Elon Musk governasse sozinho toda a América do Sul, onde vivem 430 milhões de pessoas distribuídas por 12 países. É muito poder nas mãos de uma única pessoa e um forte alerta sobre os riscos que corremos quando tantas pessoas ficam dependentes do fluxo de dados, fatos e informações no Twitter. É também um risco político e ideológico, porque Musk é declaradamente um simpatizante de Donald Trump, o líder da extrema direita norte-americana.
Sabe-se agora que a megalomania do novo dono do Twitter é maior ainda pois a aquisição da empresa por 44 bilhões de dólares é apenas o início de um plano mirabolante. Musk quer transformar o Twitter em algo bem maior do que uma plataforma de troca de mensagens. Ele quer criar uma super-rede parecida com a chinesa WeChat, onde além da troca de mensagens o usuário pode pagar contas, fazer investimentos, comprar de tudo, consultar médicos, acessar todo tipo de entretenimento. Em suma, o futuro Twitter de Musk quer ser tão indispensável às pessoas quanto a energia elétrica e a água.
Musk é apenas o caso mais polêmico e mais badalado, mas não é o único e nem o mais importante. Mark Zuckerberg, o manda chuva do Facebook pode influir na vida de 2,9 bilhões de usuários ativos da maior rede social do planeta, que é quase 6,5 vezes maior do que o Twitter. Zuckerberg controla também o WhatsApp e o Messenger, o que lhe permite, potencialmente, afetar o cotidiano de aproximadamente 6,2 bilhões de pessoas, teoricamente, quase 4/5 da população mundial.
Se somarmos o número de usuários ativos das cinco maiores redes sociais do mundo (Facebook, Youtube, WhatsApp, Messenger e Instagram) chegamos a um total, também hipotético, de quase 10 bilhões de seres humanos (1). O peso econômico do conjunto das empresas controladoras das duas maiores redes sociais (Meta/Facebook e Alphabet/Youtube) é igual ao PIB brasileiro de 2021 (1,4 trilhões de dólares). (2)
Todo este imenso poder econômico foi construído com base em informações deixadas por usuários das redes sociais, uma matéria prima grátis que hoje alimenta bancos de dados que valem bilhões de dólares. É a matéria prima mais valiosa da atualidade econômica, pois ela serve de base para quase todas as atividades industriais e comerciais da atualidade. Em 2021, os dados acumulados pelo Facebook lhe renderam um lucro líquido de 28,8 bilhões de dólares enquanto o faturamento do Twitter no primeiro trimestre de 2022, descontados todos os impostos, chegou a 513 milhões de dólares.
Sonho transformado em pesadelo
Concentração de poder nas mãos de bilionários ególatras e imprevisíveis contraria todo o espírito inicial da internet cujos criadores eram visionários sem interesses econômicos e viam a rede como uma espécie de nirvana democrático. O sonho de uma internet sem hegemonias foi sepultado pela obsessão pelo lucro, depois que empreendedores jovens e audaciosos, e muitas vezes inescrupulosos, transformaram projetos, inicialmente revolucionários, em plataformas oligopólicas de fazer inveja aos magnatas da indústria petrolífera mundial.
A ousadia e arrogância políticas dos bilionários da tecnologia digital se iguala ao seu poderio econômico. Mark Zuckerberg, por exemplo, ousou desafiar tanto o governo como a imprensa dos Estados Unidos ao ameaçar bloquear a publicação de notícias na sua rede norte-americana caso o Congresso, em Washington, aprovasse uma regulamentação das redes sociais para impor um maior controle sobre o fluxo de informações no Facebook.
Até agora a Australia é o único país ocidental que conseguiu obrigar uma rede social (Google) a pagar pelo uso de notícias originalmente publicadas pela imprensa convencional. Isto porque o conglomerado News Corp, do bilionário Rupert Murdoch, aproveitou um momento de fraqueza eleitoral do então primeiro-ministro Scott Morrison para obter do parlamento conservador uma regulamentação de redes sociais. Nem a toda poderosa Associação Mundial de Jornais (WAN) teve êxito até agora na campanha contra as grandes plataformas.
Vitrine antidemocrática
O ambicioso marketing da “praça virtual global” contada em prosa e verso pelo Twitter desde 2013 pelos diretores da rede esconde, na verdade, a ideia de uma centralização e verticalização do debate público, negando os princípios básicos da democracia. Na edição do dia 13 deste mês, o The New York Times publicou uma matéria do colunista Ezra Klein, onde ele afirma que uma “praça global dirigida por um só homem (Musk) não é uma praça, e sim uma vitrine”. A afirmação vai ao ponto chave do problema das redes sociais oligopolistas. Elas são estruturalmente contrárias à diversidade e descentralização informativa porque isto limitaria seu poder econômico e político.
Os riscos de ficarmos submetidos a entidades tipo Big Brother não são mais hipotéticos, mas assustadoramente reais. O controle do fluxo de notícias pelas redes sociais já é um fato como provam sucessivas denúncias envolvendo Twitter e Facebook, por exemplo. Aqui no Brasil, a rede de Zuckerberg, ignora desde 2021, as advertências de funcionários da empresa de que a organização de extrema direita Ordem Dourada do Brasil publica conteúdos negacionistas e fake news sobre a pandemia do coronavirus na sua página no Facebook. Nos Estados Unidos, o próprio advogado da rede, Jim Baker, foi denunciado pelos jornalistas Matt Taibbi e Bari Weiss, como o censor de conteúdos públicados por ambos no podcast Twitter Files. São apenas exemplos recentes de uma longa sucessão de casos em que as plataformas assumiram o poder de decidir o que é bom ou mau para seus usuários.
O ponto fraco das mega redes
Embora se definam apenas como plataformas tecnológicas, as redes sociais influenciam sim a formação de opiniões pessoais. Os especialistas em comunicação, como Rasmus Kleis Nielsen, autor do artigo News as a New Form of Knowledge, afirmam que a maioria esmagadora das pessoas desenvolve hoje conhecimentos a partir de “pílulas” informativas transmitidas por redes sociais como Twitter e Facebook. As pessoas não têm mais tempo para ler longos textos, logo absorvem apenas algumas frases, cujo conteúdo acaba se acumulando na memória individual, onde são formadas as opiniões. Sem diversidade informativa as pessoas acabam aceitando ideias sem fundamento por falta de versões diferentes e é aí que está o principal risco da uniformização centralizada das grandes redes.
Apesar de todo o gigantesco poder que têm sobre os fluxos informativos mundiais, as grandes plataformas digitais como Facebook, Google, Twitter, Telegram e Instagram têm um ponto fraco. Elas vendem uma imagem social e serviços gratuitos para atrair usuários, mas funcionam na verdade como um oligopólio, um conjunto de monopólios com algum grau de especialização. Elas defendem este poder com unhas e dentes porque sabem que sua matéria prima principal, a informação, é extremamente volátil. O descontentamento dos usuários pode se propagar rapidamente, como já acontece hoje com a migração de clientes do Twitter para a rede Mastodon. Caso a desconfiança sobre a conduta errática de Musk ganhe corpo, a rede por seguir o caminho das finadas MySpace e Orkut, que desapareceram depois de existências fulgurantes.
A migração de usuários se mostrou até agora como uma ferramenta eficiente para controlar o crescimento e o poderio das grandes redes sociais. Além do Twitter, também o Facebook vem perdendo clientes desde 2020 em favor de redes maiores como a Tik Tok e outras menores como a Ello, Medium, Snapchat, Quora,Kwai, Post, Nostr e Tribel, bem como a ultra direitista Truth social, criada por Donald Trump. Tim Berners Lee, o criador da Internet, acha que o empoderamento dos usuários através do fenômeno da migração entre plataformas pode ser uma alternativa ao complexo processo de regulamentação das redes sociais. Mas isto já é um assunto para outro artigo.
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Notas
(1) Tanto no caso das empresas de Mark Zuckerberg como na soma das cinco maiores redes, o número total de usuários é meramente teórico, porque há pessoas que estão em mais de uma rede e, portanto, são somadas duas ou mais vezes. A população mundial é hoje estimada em pouco mais de oito bilhões de pessoas. (Publicado originalmente no Observatório da Imprensa)
(2) Detalhes em https://www.searchenginejournal.com/social-media/biggest-social-media-sites/***
Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.
Direto da Redaçãoé um fórum de debates publicado no jornal Correio do Brasil pelo jornalista Rui Martins.