O povo brasileiro tem aprendido muito nesta campanha eleitoral. Um verdadeiro curso superior de ciência política com mestrado em "traços culturais e história nacional", para poder superar os atrasos que há mais de 300 anos o Estado, desenhado pelas oligarquias latifundiárias e os neo-liberais que passaram pelo Governo Federal, mantem para conservar uma desigualdade social e económica das mais altas no mundo.
Por Zillah Branco - de Brasília
Os que nesta campanha eleitoral enfrentaram a luta, deram passos gigantescos no entendimento das matérias, uns para compreender os discursos de intelectuais e políticos de esquerda e outros para traduzirem o jargão acadêmico e respeitarem o idioma popular. Este é um extraordinário acordo que aproxima estratos sociais diferentes. Ultrapassa a gramática, entra na capacidade de compreender o que é táctica e estratégia na campanha popular pela democracia, une as realidades dos doutores e dos analfabetos e obriga a ter uma paciência de santo para conversar com os que ficam em cima do muro ou que papagueiam os ensinamentos da TV ou das missas profanas da Igreja/Partido pentecostal.
Não é fácil, principalmente porque a média oficial divulga uma enxurrada de "fake news" e a direita fascista de Bolsonaro utiliza todas as formas de agressão verbal e física chegando à tortura e ao assassinato. Em pouco tempo foram contabilizados 60 ataques nas ruas, em nome de Bolsonaro e seu vice (general da ala militar considerada "linha dura" da antiga ditadura de 64), com um morto na Bahia e uma jovem, em Portalegre, que teve gravada com canivete uma cruz suástica no corpo por usar um símbolo da democracia na camiseta, alem de tentativas de atropelamento nas ruas das cidades maiores e ameaças de morte a um professor da Faculdade de Arquitetura. Até a Globo sentiu-se forçada a dar algumas notícias sobre a violência bolsonarista.
Os mais velhos têm a memória do ódio e do medo que o Brasil sofreu entre1964 a 1985, quando conquistou o direito a votar para os órgãos de governo. Até hoje sofremos com o relato das torturas e assassinatos praticados impunemente durante 21 anos nos calabouços da Polícia política. Muitos ainda recordam os sustos com os cercos policiais nas universidades, as invasões domiciliares para procurar foragidos, as corridas nas ruas para escapar à cavalaria no centro das cidades, o medo de que as crianças fossem raptadas para servirem aos chantagistas como forma de pressão contra os pais.
Bolsonaro
Tudo isso agora é trazido por Bolsonaro e seu vice, para destruir a democracia que Lula começara a consolidar nos poucos anos de governo que construiu e para revogar as conquistas iniciais que elevavam o nível de formação dos trabalhadores, que permitiam acesso aos cuidados médicos e aos cursos universitários a todas as etnias que compõem o povo brasileiro, que combatia a fome e as terríveis desigualdades sociais e económicas existente em um país rico, que desenvolvia uma economia nacional que servia de lastro para manter a soberania respeitada mundialmente.
Mesmo os que nasceram depois do final (aparente) da ditadura, quando a violência ficou sob a responsabilidade de grupos de bandidos e traficantes de drogas ligados ao exterior, perceberam que a liberdade de vida e de expressão das próprias idéias, está em causa.
Daí a adesão aos inúmeros debates sobre democracia, representação de classes sociais, defesa de associações populares, o fortalecimento dos sindicatos, os conceitos humanistas que devem ser exigidos a quem exerce a política em representação popular, a história nacional. Haddad tem participado sempre que a média convida os candidatos para debaterem os seus programas, mas Bolsonaro recusa alegando os problemas de saúde. Até mesmo na TV Bandeirante, que pertence ao Bispo Macedo da Igreja Evangélica, Haddad foi e Bolsonaro fugiu. O seu vice, General Mourão, já declarou que estará presente na posse do Presidente eleito em representação de Bolsonaro que terá de sofrer nova intervenção cirúrgica em Janeiro de 2019. Estará tudo programado pela velha ditadura com o aval eleitoral. Veremos o resultado no dia 28 deste mês.
No primeiro turno eleitoral a direita tradicional, o centrão, ficou totalmente desmoralizada, vencida pelo exibicionismo de violência, petulância e ódio, do seu parceiro extremado. Com o orgulho ferido os candidatos vaidosos que perderam foram espairecer em Paris. Assim fez Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes. Outros, talvez sem dinheiro para o exilio de luxo, ficaram em cima do muro (que já tinha os que se abstiveram de votar, uns 30 milhões de almas penadas). Mesmo ficando claro que os candidatos perdedores têm um ego que contraria a dignidade e o patriotismo, exige-se muito estomago e paciência convidá-los a participar da luta popular. Mas será preciso, pois eles têm que descer do muro e escolher se ficam contra o Brasil democrático ou a favor de uma ditadura fascista que fará a Nação retroceder dezenas de anos.
As formas de corrupção
As formas de corrupção usadas pelo imperialismo para inventar o golpe de Temer agora secam. Os corruptos, além de perderem os dolares vão perder os empregos no Estado e as mordomias do poder. Muitos vão para Miami correndo o risco de ficarem na fronteira como imigrantes indesejáveis. E aí? De que lado ficam? Façam de conta, pelo menos, que têm dignidade e que, modestamente, colaboram com o que consideraram a "ralé" democrática do seu país. Os lutadores de sempre, democratas de verdade, não os tratarão como covardes. Ficarão estóicamente ao lado, rememorando no rico vocabulário dos pobres, e dando um sorriso discreto.
O perfil heróico de Lula ilumina os seus defensores com o elevado sentido de honra, de solidariedade humana, de modéstia, de integridade, de compreensão da História que modela com egoismo os setores mais beneficiados da sociedade. Tal como outros heróis mundiais - Gandhi, Mandela, Amilcar Cabral, Fidel Castro, Chaves e Maduro, Evo Morales, e tantos outros - Lula aceitou a prisão para permanecer junto ao seu povo afirmando que não praticaria o suicídio, como Getúlio em 1954, e seria apenas "um pensamento" na luta eleitoral.
A sua figura atingiu a dimensão de um mito, com a grandeza que poucos governantes alcançam, um modelo humanista exemplar. Nasceu pobre, passou fome, emigrou do nordeste árido para São Paulo com os irmãos e a mãe - que conseguia sustentar a família como empregada doméstica. Mandou-os para a escola e formou com dignidade a cabeça inteligente de Lula que cresceu estudando a realidade que o envolvia e buscando explicações teóricas junto aos intelectuais democráticos no movimento sindical.
Assim foi formado o melhor Presidente que o Brasil já teve. Por isso mesmo é perseguido pelos golpistas e sequestrado por um sistema judicial corrompido.
Zillah Branco, é Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.