O presidente Jair Bolsonaro está descontrolado desde o constrangedor fracasso das manifestações ultradireitistas do último dia 15, por ele incentivadas (e provavelmente tramadas) como forma de intimidar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Celso Lungaretti, editor do Náufrago da Utopia:
Foi quando percebeu que o coronavírus, ao tornar a união nacional um imperativo para a própria sobrevivência dos brasileiros, esfarelava as bases em que estavam assentados seus sonhos dementes (dar um autogolpe para governar sem os contrapesos democráticos ou, pelo menos, reeleger-se em 2022), daí a decisão de partir para o tudo ou nada.
Ou seja, se as imprescindíveis medidas sanitárias, recomendadas dramaticamente pela Organização Mundial de Saúde e adotadas por quase todas as nações se antepunham às suas ambições desmedidas, ele as combateria a ferro e fogo, por mais que isto horrorizasse os civilizados. No século passado, um sujeitinho de bigode engraçado costumava reagir da mesmíssima maneira.
Não perdeu tempo: foi contaminar seus seguidores com o vírus do qual só os crédulos e ingênuos ainda relutam em acreditar que ele seja portador e fez o maior alarde de seu desprezo pela pandemia que está a caminho de tornar-se a pior praga que a humanidade enfrenta desde a gripe espanhola de 1918.
Seu descontrole tresloucado causou pasmo e indignação, colocando no campo contrário todos os governadores, o Legislativo, o Judiciário, o vice-presidente, os médicos e cientistas, a opinião pública, instituições internacionais de cuja ajuda precisamos desesperadamente, a imprensa do mundo inteiro, etc.
Deve ter passado um tempinho fazendo o inventário das cinzas em que transformara seu governo, um morto-vivo esperando que o enviem para uma tumba definitiva. No nono dia, talvez porque se tenha recuperado da fraqueza que a doença causa, dobrou a aposta: perdido por um, perdido por mil.
Então convocou rede nacional para torpedear os esforços do seu ministro da Saúde e escarnecer dos brasileiros que estão morrendo ou se submetendo estoicamente a limitações e sacrifícios por causa da pandemia.
Mais descontrolado ainda, pretende agora infestar tevês e rádios com a campanha O Brasil não pode parar, incentivando a população a sair de casa, aglomerar-se e contaminar-se, o que fará disparar o número de infectados e os óbitos, além de levar nossa rede de saúde (que todos sabemos ser insuficiente para o desafio que está enfrentando) a entrar em parafuso.
Mas, que importam os mais vulneráveis, os muito pobres e os idosos, para Bolsonaro? Ele até já mandou os segundos às urtigas, declarando que quem tem de cuidar deles são os parentes, não o governo...
E os caminhoneiros, que desde a sabotagem ao governo democrático de Salvador Allende para provocar desabastecimento e enlouquecer a classe média chilena, vêm se prestando ao papel de joguetes da extrema-direita, estão sendo insuflados a prestar mais um desserviço ao Brasil, depois de terem contribuído decisivamente para solapar o governo direitista mas civilizado de Michel Temer, favorecendo a escalada dos bárbaros.
Agora, ameaçam um locaute contra o isolamento determinado pelo governo paulista, aderindo à sabotagem pregada por Bolsonaro. A má fé é tamanha que nem esperam o fim da quinzena de vigência da diretriz de João Dória Jr.: querem começar logo a baderna, temendo que o governador paulista flexibilize as restrições sanitárias.
Todo esse descontrole tem uma única explicação: o desespero de quem vê ruírem seus projetos insanos. Caso contrário, esperariam pelo menos passar o período de maior crescimento da quantidade de contaminações. Como estão agindo, vão tornar-se cúmplices indiscutíveis de uma infinidade de mortes desnecessárias.
Que outros danos causarão durante sua agonia política? Pelo visto, nenhum escrúpulo os deterá e muitos inocentes pagarão o preço da omissão dos que hesitam em dar um fim à sua investida kamikaze.
Urge contê-los, tanto por estarem infringindo um sem-número de dispositivos constitucionais, como também porque a vida dos brasileiros —valor infinito, sim, para quem ainda não atingiu a completa desumanização!— jamais pode ser deixada à mercê de uma horda de fanáticos descontrolados.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso, torturado e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
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