"Hoje as escolas e as universidades preparam os alunos para seguir uma especialização e isso é muito perigoso. Estas devem proporcionar uma cultura geral. Einstein já dizia que a especialização mata a curiosidade e esta está na base do avanço da ciência e da tecnologia", afirmou Nuccio Ordine.
Por Redação, com Templo Cultural Delfos - do Rio de Janeiro
Nuccio Ordine, professor, filósofo e crítico literário italiano, um dos mais importantes estudiosos da Renascença na atualidade, especialmente sobre o filósofo Giordano Bruno, encerrou no ano passado, pouco antes de morrer, um passeio pela América Latina, depois Lisboa, com a conferência ‘A utilidade dos saberes inúteis’, na Torre do Tombo, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos. A conferência baseava-se no livro que publicou ainda em 2013. Ordine faleceu em Cosenza (Calábria), em 10 de junho de 2023.
O livro ‘A Utilidade do Inútil’, publicado pela Editora Kalandraka, foi traduzido para 20 línguas, está em 30 países e já vendeu mais de 200 mil exemplares. Na obra, o catedrático da Universidade de Calabria critica a lógica do lucro que chegou ao mundo do ensino e da investigação científica e propõe uma reflexão sobre quais são os verdadeiros saberes que podem ajudar a vencer a crise.
Em entrevista ao diário português Público, Nuccio Ordine cita Victor Hugo e a necessidade de se investir na educação.
— Seria necessário multiplicar as escolas, as disciplinas, as bibliotecas, os museus, os teatros, as livrarias. Hoje em dia, temos gente muito competente à frente de empresas ou de governos, altamente especializada, mas que não sabe identificar uma peça de Bach ou nunca leram Thoman Mann. A escola falhou? — questiona.
Einstein
Esse, para Ordine, é o grande problema da contemporaneidade: “temos gente super especializada e que perdeu o sentido geral e global do saber”.
— Hoje as escolas e as universidades preparam os alunos para seguir uma especialização e isso é muito perigoso. Estas devem proporcionar uma cultura geral. Einstein já dizia que a especialização mata a curiosidade e esta está na base do avanço da ciência e da tecnologia. Por exemplo, a atual diretora do laboratório europeu de física de partículas (CERN, na sigla em inglês) é uma italiana (Fabiola Gianotti) que fez estudos clássicos no liceu, aprendeu piano durante dez anos, mas é uma grande física. Os maiores arquitetos italianos, como Renzo Piano, fizeram estudos clássicos. Portanto é preciso ter uma cultura geral de base — observou.
Ordine considera seu livro “um grito de alarme”.
— Quando pergunto aos meus alunos por que estão na universidade, respondem-me que é para obter um diploma. Um diploma não serve para nada! Há uma visão utilitarista da educação que mata a ideia de escola. Vamos à escola para sermos pessoas cultas! Para sermos pessoas melhores, para sermos éticos, não importa o curso — acrescentou.
Corrupção
Na apresentação de seu livro, o escritor viajou por toda a Itália e os estudantes sempre perguntavam: “Professor, adoro os gregos e os latinos, mas os meus pais perguntam-me ‘o que vais fazer com literatura? Porque não te inscreves num curso onde possas vir a ganhar dinheiro?”
— Isto é a corrupção da ideia do que deve ser a universidade! É corromper os estudantes. Temos médicos que o são porque ganham muito dinheiro e não por razões humanitárias e não pelo que prometem no juramento de Hipócrates. Esta corrupção – a ideia de ganhar muito dinheiro – atravessa a sociedade inteira, chega à política, à economia. Por isso temos corrupção no mundo inteiro — pontuou.
O catedrático costuma ler uma história belíssima de Kavafis (poeta grego, 1863-1933) sobre Ítaca, a história de Ulisses. Ele lembra que “a experiência da viagem é que fará de ti um homem rico, fará de ti um homem melhor. Se não fizeres essa experiência, de nada te servirá chegar a Ítaca”.
Isso, segundo Ordine, “significa que devemos estudar por amor ao conhecimento, por amor à aprendizagem, para que sejamos homens e mulheres livres. Os alunos têm de compreender que não há saber sem conhecimento e que só se é livre se formos sábios. E isso não têm nada a ver com o mercado e com aquilo que este pede”.
Escola
O livro que Ordine divulga é uma crítica aberta às universidades-empresa.
— Contesto a ideia de que as universidades sejam empresas. A nossa missão não deve ser vender diplomas que os estudantes compram. Isso é uma enorme corrupção. A escola não pode ser uma empresa porque a lógica da educação não é a do mercado. O princípio da educação é aprender a ser melhor, para si mesmo e não para o mercado. O que vemos na City em Londres (no centro financeiro britânico) são pessoas com elasticidade mental, pessoas que vêm dos estudos clássicos ou da filosofia porque compreendem melhor o mundo do que os especialistas em economia ou programação — resume.