O Museu se dedica, desde 1950, à história do RS, mas também à história brasileira, guardando acervos de várias naturezas que dão conta de processos históricos regionais e nacionais. "Nosso público tem interesse em conhecer a história nacional e compreender episódios/momentos da história social e cultural gaúcha."
Por Redação, com Brasil de Fato - de Brasília
O Museu Júlio de Castilhos é uma instituição pública do estado do Rio Grande do Sul. Criado no ano de 1903, é o mais antigo museu do Rio Grande do Sul. Segundo o próprio site, é um lugar de memória, de história e de testemunho de fatos políticos, sociais, culturais e econômicos.
Atualmente, a instituição é dirigida pela museóloga Doris Couto, Mestra em Museologia e Patrimônio pela UFRGS e Pós-Graduada em Políticas Culturais Baseadas na Comunidade pela FLACSO/Argentina.
Em 2023, a instituição completa 120 anos de existência. Para marcar a data, o Museu programou algumas exposições comemorativas e revisitou outras mostras permanentes da casa.
No mês de fevereiro, quando completou aniversário, a reportagem do Brasil de Fato visitou o local e foi recebida pela sua diretora. Por ser um local destinado a preservação da memória do estado e do país, a conversa também suscitou reflexões sobre o acesso a equipamentos culturais e o lugar que a memória e a cultura ocupam na população.
Mais antigo do Estado e o oitavo do Brasil
A diretora Doris Couto explicou que a criação do museu foi impulsionada pela vontade de Júlio Prates de Castilhos (1860-1903). Este, que viria a governar o estado do RS, estudou em São Paulo quando a cidade estava criando o Museu Paulista. Doris relata que Castilhos, após regressar ao estado e engajar-se na política, começa a desenvolver a ideia de criar um museu do estado.
– É importante dizer que nesse período se vivia no Brasil o que chamamos de 'Era dos Museus', que foi uma replicação de um modelo europeu de museus que abarcam as ciências naturais em primeiro momento, mas que vão recebendo com o tempo acervos de outra natureza. O Museu Júlio de Castilhos é o 8° museu da história do Brasil. Ele nasce como o Museu do Estado do RS – relata.
Doris explica que a primeira sede do museu foi fundada em 1903, no Parque da Redenção, que à época possuía pavilhões de eventos. A transferência para a casa Júlio de Castilhos, na Avenida Duque de Caxias n° 1231 no Centro Histórico de Porto Alegre, só viria a acontecer em 1907.
O imóvel em que viveu parte da família Castilhos é a sede até hoje. Além disso, em 1975 o governo estadual compra a casa anexa para fazer uma ampliação, resultando em sua estrutura atual.
Importância do Museu
A diretora conta que a instituição nasceu voltada para as ciências naturais, porém essa característica foi se transformando ao longo do tempo.
– Em 1950, o acervo documental vai para o Arquivo Histórico do RS e o acervo de ciências naturais cria o Museu de Ciências Naturais que está no Jardim Botânico. Acervos indígenas vão para o Museu Antropológico e Arqueológico, apesar de ficarmos com uma parte significativa – explica.
O Museu se dedica, desde 1950, à história do RS, mas também à história brasileira, guardando acervos de várias naturezas que dão conta de processos históricos regionais e nacionais. "Nosso público tem interesse em conhecer a história nacional e compreender episódios/momentos da história social e cultural gaúcha."
Exposições permanentes e comemorativas
Desde 2019, o museu apresenta um roteiro de exposições de longa duração. Memória e Resistência, por exemplo, é totalmente dedicada aos povos indígenas, principalmente os originários do estado, mas não somente. É considerada o carro-chefe, tendo em sua curadoria indígenas Kaingang.
Outra exposição é Narrativas do Feminino, que fala da participação das mulheres na vida cotidiana do estado. O museu também promove uma campanha de arrecadação de peças que testemunham a participação do povo negro na história do RS, intitulada Acervo Afro-gaúcho do MJC.
Na casa anexa ao museu, está alocada a exposição comemorativa Aos 120 – nossa história, descrita pela diretora como uma "mistura de vários acervos, do cotidiano, da lida do campo e de tecnologias de outros períodos", além de recriações da primeira exposição de 1903. Além disso, parte do acervo do museu pode ser conferido pela internet, através da plataforma Tainacan.
As pessoas não gostam de história?
Questionada pela reportagem se é verdade a ideia generalizada de que as pessoas se interessam pouco por museus e pela história em geral, Doris respondeu acreditar não ser verdade.
– De acordo com as pesquisas de público realizadas desde 2019, o maior fluxo é de pessoas entre os 25 e 35 anos, em sua grande maioria de nível universitário, também recebemos muitos turistas, por estar em uma área central da cidade próxima de outros pontos de visitação.
– Não é verdade que as pessoas não se interessam pela história. Quando nós criamos mecanismos para fazer uma ponte entre o passado e o presente se cria a conexão com a vida. Museu não é lugar de coisa velha, é lugar de coisa viva – defende.
Acesso à cultura
Questionada sobre a concentração de museus e aparelhos de cultura no centro da cidade, a especialista explica que esse fato não é exclusivo de Porto Alegre, mas se repete na maioria das cidades brasileiras. "Os equipamentos culturais se alojam nos centros, especialmente os equipamentos de memória", explica.
– No nosso caso ainda estamos no centro do poder, muito próximos da Assembleia, do Palácio Piratini e Palácio da Justiça. Também é uma representação de lugar de poder que a memória ocupa – ressalta.
A museóloga acredita que essa característica está ligada à própria configuração das cidades, pensando que as pessoas se deslocam ao Centro, buscando os serviços e áreas de lazer, fato potencializado pelas vias de transporte coletivo normalmente direcionarem para o Centro.
– Alguns fatores contribuem para essa concentração. Porém, essa situação permite que as pessoas possam ter roteiros de visitação. Quem tem interesse em conhecer, pode acessar os serviços e visitar algum equipamento de cultura.
Entre as situações que envolvem a concentração geográfica desses locais de cultura e memória, Doris recordou que uma pesquisa realizada pela equipe do museu observou que as escolas de periferia tinham dificuldades em acessar o local por não ter recursos para bancar o transporte.
Nesse sentido, ressalta que o MJC está desenvolvendo um projeto piloto com duas escolas públicas, situadas nos dois extremos opostos da cidade: uma da Restinga (Extremo Sul) e outra do Sarandi (Zona Norte).
– Existem mecanismos que resolvem esse problema da distância e do transporte. Evidentemente que precisa de uma política de democratização de acessos.
Por outro lado, ressalta que existem também possibilidades em que o museu se desloca para o bairro. Um exemplo dessa política é uma exposição itinerante que é levada, mediante agendamento, para as escolas e clubes, apresentando figuras negras importantes da história.
– As crianças que estudam em escolas dos bairros têm o mesmo direito que as crianças de escolas aqui do Centro que podem vir sempre que quiserem.
A diretora completa que existem sim formas de expandir para outras localidades a atividade cultural concentrada no centro urbano, mas que essa concentração de aparelhos e equipamentos de cultura não precisa ser um impeditivo para o acesso, tendo em vista que existem políticas públicas que podem interagir com o público mais distante ou que não tem condições econômicas de deslocamento.
– É uma questão de repensar e organizar esse fluxo. Se nós estivéssemos instalados em uma localização periférica, a gente teria o mesmo problema com relação a periferias mais distantes. Precisamos pensar ações para quem não está conseguindo chegar.
Continuidades e rupturas
Questionada sobre a possibilidade de rupturas na política cultural, de memória e patrimônio proporcionada pela mudança de governo federal, Doris afirma que o momento é de retomada.
– Nós tivemos muitas rupturas com o governo anterior, houve o esgotamento e nenhuma oferta de editais para os museus brasileiros. Inclusive, algumas memórias guardadas não eram de interesse do governo manter, como as memórias da ditadura, dos povos negros, indígenas, bem como dos testemunhos que os objetos trazem – avalia.
A especialista vislumbra que esse novo momento possa trazer mais recursos para modernização de museus e de Pontos de Memória e os de Cultura.
– Não se faz museu, memória sem orçamento. O Museu Júlio de Castilhos teve investido, nos últimos 4 anos, quase R$ 15 milhões. Cultura, de qualquer modalidade, se faz com orçamento, interesse e respeito, acima de tudo – conclui.