Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2024

Mundo se afasta da meta global de eliminar a fome

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Quinta, 14 de Outubro de 2021 às 11:00, por: CdB

Pandemia, mudanças climáticas e conflitos agravam escassez alimentar, aponta relatório. Cerca de 50 países enfrentam graves níveis de fome, e 320 milhões de pessoas perderam acesso a alimentação adequada somente em 2020.

Por Redação, com DW - de Nova York

A meta global estabelecida em 2015 pela Organização das Nações Unidas era acabar com a fome mundial até 2030. Após anos de progresso, desde 1960, na redução do número dos subnutridos, o alvo parecia praticável para a comunidade internacional. Agora, porém, "a luta contra a fome está perigosamente fora dos trilhos", indica o mais recente Índice Global da Fome.

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Fazenda na República Democrática do Congo: conflitos, instabilidade e corrupção comprometem produção de alimentos
Nos últimos dois anos, as sequelas econômicas da pandemia de covid-19, as mudanças climáticas e conflitos armados provocaram um aumento radical dos famintos do planeta, registra o relatório das ONGs Ação Agrária Alemã (Welthungerhilfe, em alemão) e Concern Worldwide. Em todo o mundo, mais de 800 milhões de pessoas passam fome, apontam. O estudo foi publicado nesta quinta-feira, apenas poucas semanas após dados divulgados pela ONU mostrarem que em 2020 o número de pessoas sem nutrição adequada cresceu em 320 milhões, chegando a 2,4 bilhões, ou quase um terço da população mundial. O incremento equivale ao dos cinco anos anteriores combinados. – Vê-se claramente que o progresso está desacelerando ou retrocedendo – aponta Miriam Wiemers, que está entre os autores do índice. Além de subnutrição e disponibilidade de calorias, este monitora fatores como qualidade da dieta e distúrbios de crescimento e mortalidade infantis. – Esses fatores refletem os efeitos de longo prazo da fome sobre a saúde da população e o desenvolvimento físico, mental e cognitivo das crianças – explica a especialista. Em cerca de 50 países, a situação é alarmante ou séria, pois a fome afeta uma parcela significante de sua população. O relatório analisou dados de 135 países onde a fome é um problema. Ou seja, países ricos ficaram de fora. As nações consideradas foram divididas em cinco categorias, dependendo da gravidade do problema: baixa gravidade, moderada, séria, muito séria e alarmante. O Brasil está na primeira categoria, de baixa gravidade.

Mudanças climáticas agravam a fome mundial

Um relatório de 2021 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) relaciona o aumento da insegurança alimentar ao aquecimento global, em especial à maior frequência e intensidade de intempéries como tempestades, enchentes e secas. – Uma das razões por que a África (subsaariana) tem níveis mais altos de fome é a falta de preparação para os desafios da mudança climática – afirma Joe Mzinga, porta-voz do Esaff, uma rede de pequenos fazendeiros da África oriental e meridional. A aposta num único tipo de cultura torna a população especialmente vulnerável às mudanças climáticas: "Um dos maiores desafios que estamos encarando é a perda de biodiversidade e o incentivo a safras muito específicas, que no caso do sul e leste da África é o milho. Como a planta precisa de muita água, uma escassez de chuva rapidamente resulta em crise alimentar." Além dessas tendências, há ainda o elemento, não tematizado, da justiça climática. "Temos países com uma parcela menor de emissões carbônicas que arcam com a carga da mudança climática", frisa Miriam Wiemers, da Welthungerhilfe.

Pandemia prejudicou cadeias alimentares

Colapsos das cadeias de abastecimento e restrições visando conter a propagação da covid-19 geraram simultaneamente a alta dos preços para o consumidor e a queda dos preços do produtor, comprometendo a segurança alimentar dos pobres nas zonas urbanas e rurais, prossegue o relatório da FAO. Acrescente-se a isso as perdas de gêneros alimentícios causadas involuntariamente pelos toques de recolher em países africanos e asiáticos, pois os motoristas que normalmente transportavam produtos frescos à noite, sob temperaturas mais baixas, não mais puderam fazê-lo. A FAO calcula que, devido aos impactos duradouros do novo coronavírus sobre a economia mundial, o número dos subnutridos aumentará em 30 milhões até o ano 2030. Outros estudos indicam que entre 2020 e 2022 poderá haver 2,6 milhões de crianças com crescimento atrofiado, para além das expectativas pré-pandemia. A pandemia igualmente evidenciou como os países de renda mais alta são vulneráveis a altas de preços e escassez. Segundo dados governamentais, os preços de carne, aves, peixe e ovos subiram nos Estados Unidos 5,9% em relação a 2020, e 15,7% comparado a agosto de 2019.

Círculo vicioso de fome e violência

Conflitos violentos têm potencial para paralisar todos os aspectos de um sistema de fornecimento alimentar. Nas regiões afetadas, colheitas são dizimadas, gado é roubado e os habitantes rurais, expulsos de suas terras. Durante uma guerra "não podemos continuar com a produção como de costume, nem acessar os mercados", explica Mzinga, do Esaff. Em oito de dez países com níveis alarmantes de fome, conflitos são uma das principais causas, mostra o relatório, acrescentando que os choques estão aumentando em número e severidade. Por sua vez, a maior insegurança alimentar contribui para a violência, num círculo vicioso. Uma pesquisa do World Food Program, de 2017, mostrou que, à medida que aumenta a competição por recursos escassos, cresce a probabilidade de divisões étnicas e religiosas resultarem em conflito. "Sem segurança alimentar é difícil garantir paz sustentável, e sem paz, é mínima a perspectiva de dar fim à fome global", concluem os autores do Índice Global. Combater a fome não é só uma questão de alcançar a meta das Nações Unidas, assegura a pesquisadora Wiemer, mas sim do direito de acessar comida adequada e nutritiva. "É um direito humano básico. Então, no momento, temos milhões por todo o mundo cujos direitos humanos são violados dia após dia."  
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