Manifestantes cantaram e caminharam no Ibirapuera, em São Paulo, em homenagem a vítimas da violência do Estado. Para instituto, presidente "quebrou seu juramento" à Constituição.
Por Redação, com RBA - de São Paulo
"Não vamos sucumbir", dizia o arquiteto Ricardo Ohtake diante do monumento, que ele projetou, em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos, no Ibirapuera, em São Paulo, no encerramento de ato que reuniu milhares contra a ditadura e em repúdio ao governo, que mandou celebrá-la. O ex-secretário de Direitos Humanos Rogério Sottili, atual diretor do Instituto Vladimir Herzog, disse que a intenção é acionar o Ministério Público Federal (MPF) contra Jair Bolsonaro. O relator das Nações Unidas para a Promoção da Verdade, Justiça e Reparação, Fabián Salvioli, também será procurado. Milhares de pessoas se concentraram no domingo no Parque do Ibirapuera, na zona sul paulistana, em ato que começou com apresentações musicais e, ao entardecer, teve uma passeata silenciosa em memória das vítimas da violência do Estado, de ontem e de hoje. Terminou já depois das 20h, com a cantora Fabiana Cozza interpretando o Canto das Três Raças (Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro), seguida pela multidão. Ao final, flores, velas e fotografias foram postas no monumento, enquanto muitos choravam e se abraçavam. Integrantes da Guarda Civil Metropolitana chegaram a falar em 8 mil presentes, de acordo com o portal G1. A organização não divulgou estimativa. De iniciativa da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, a chamada I Caminhada do Silêncio reuniu artistas como Eduardo Gudin, Jean Garfunkel, Mário Gil, Breno Ruiz e Vicente Barreto, arregimentados, principalmente, por Renato Braz. Em um palco decorado por bordados, ele cantou, entre outras, Coração Civil (Milton Nascimento/Fernando Brant) e Cálice (Gilberto Gil/Chico Buarque), com trechos de Fado Tropical (Ruy Guerra/Chico). Jean declama: "Sabendo da mentira e da impostura/ Da mordaça e da censura/ Sabendo da fragilidade da palavra liberdade/ Da relevância da palavra vigilância/ Da inconsequência da palavra violência/ Da desventura da palavra ditadura". Gudin cantou os clássicos Mordaça (dele e de Paulo César Pinheiro) e Velho Ateu (Gudin e Roberto Riberti). O português Roberto Leão interpretou Cantiga de Maio, de Zeca Afonso, autor do "hino" da Revolução dos Cravos,Grândola, Vila Morena. Nenhum discurso foi feito. A passeata saiu do interior do parque às 18h15, com os manifestantes em silêncio e segurando velas. A maioria vestia roupas pretas, conforme pedido dos organizadores. No caminho, o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro comentava seu espanto com o momento político e a postura do governo, que determinou a "comemoração" do golpe de 1964. "É extremamente deprimente", dizia, andando ao lado do também ex-ministro José Carlos Dias e do brasilianista e historiador norte-americano James Green. "Por outro lado, é importante que a sociedade civil está atenta e viva", acrescentou Pinheiro, hoje na presidência da Comissão Arns de direitos humanos, da qual também participa outro ex-ministro, Paulo Vannuchi, mais um participante da passeata. Pinheiro acredita que manifestações como a de ontem vão se repetir. Mas manifestava perplexidade ao lembrar que uma das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, da qual participou, foi justamente no sentido de proibir exaltações oficiais ao golpe de 1964, que a CNV reputou como responsável por graves violações de direitos humanos, como tortura, assassinato e desaparecimentos. "A verdade oficial do Estado é o relatório (da Comissão)", lembrou.