Na história da libertação francesa, um episódio sempre foi esquecido : o dos soldados recrutados nas colonias francesas que lutaram contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Além de esquecidos, esses 130 mil soldados, cuja maioria morreu nos campos de batalhas, muitas vezes como bucha de canhão, sofreram humilhações e mesmo massacres no seu retorno às antigas colônias, enquanto se procurava evitar qualquer relacionamento deles com as mulheres francesas.
O cineasta argelino Rachid Bouchareb, depois de ter colhido depoimentos de antigos combatentes, conta essa epopéia no filme Indigènes, como eram chamados os norte-africanos pelos oficiais franceses, que exploravam seus feitos heróicos mas lhes negavam a igualdade com os soldados franceses.
Um desses soldados, no seu retorno, tornou-se o líder revolucionário da independência da Argélia. Foi isso que inspirou Rachid Bouchareb a contar essa história que, ao mesmo tempo, mostra aos filhos da imigração norte-africana na França terem seus avós ou pais vertido o sangue por esse país. Um episódio que o colonialismo francês tentou apagar da história. Leia a seguir a entrevista que com o diretor Rachid Bouchareb.
Pergunta- Como nasceu o projeto desse filme de guerra ?
Rachid - Era um projeto ambicioso, a vontade de contar esse momento da história, pois alguns de meus familiares morreram na outra guerra, a de 1914-18 e outros na guerra da Indochina. Esse episódio faz parte não da minha família, mas de milhões de africanos e, tendo sido filho da imigração vivendo na França, esse filme faz parte da memória coletiva dessas crianças de origem norteafricana que vivem na França. Esse filme foi o cruzamento ideal para discutir não só o passado, mas o presente e o futuro da imigração magrebina ou norteafricana na França.
Pergunta - Naquela época, os norteafricanos lutaram pela França porque eles se consideravam franceses e, atualmente, os descendentes do imigrantes vivendo na França, são considerados franceses ?
Rachid - Eu diria que o filme deve servir também para esse debate. É um debate que se instaurou na França, faz alguns anos, e que voltou à atualidade, há cerca um ano, com a revolta registrada em muitas cidades francesas, ou seja, o que fazemos com esses cidadãos franceses, que são filhos da França, como disse o presidente Jacques Chirac ? Então, se são filhos da França é preciso que a sociedade lhes aceite assim, e lhes dê primeiro o direito de ter um trabalho, o que não acontece atualmente na França. São essas dificuldades que estão hoje no debate da sociedade francesa. Na França, dez porcento da população são filhos de imigrantes e é preciso que conheçam seu passado, para nutrir seu presente e futuro. Esse conhecimento pode também legitimar sua presença na França, pois o sangue de seus avós ou pais foi vertido na libertação desse país.
Pergunta - Há alguma referência a personagens da época ? Rachid - Baseei-me igualmente num personagem da história da independência da Argélia que denunciou, na época, todas as injustiças sofridas pelos solados norteafricanos. Foi ele quem esteve na origem da guerra da independencia argelina algumas dezenas de anos depois.
Pergunta - Como explica o papel da mulher francesa que surge no filme e que revela a existência da censura ?
Rachid - É a única mulher do filme e, por isso, quis que tivesse uma participação forte, mesmo se sua participação é curta. Ela é uma síntese dos testemunhos que recolhi de centenas de soldados do Magreb e que se casaram com francesas, depois da Guerra, em Marselha, no Vosges e na Alsácia. E esse episódio mostra também que, durante a guerra, ao lado dos militares havia papel político ocupado por civis, presentes permanentemente, para lembrar que seria difícil conviver com esses soldados, depois da guerra, quando retornassem às colônias, pois não seriam mais os mesmos na relação com a França. Ora, se eles tivessem relações importantes com as mulheres francesas
Locarno - Filme argelino conta episódio esquecido
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Segunda, 07 de Agosto de 2006 às 12:00, por: CdB