A médica foi objeto de uma espécie de interrogatório pelo presidente Jair Bolsonaro, instada a opinar até mesmo sobre armas, depois ameaçada de morte por apoiadores do presidente e, segundo relatou, houve tentativas de invasão ao quarto do hotel em Brasília em que estava hospedada.
Por Redação, com RBA - de Brasília
A cardiologista Ludhmila Hajjar, cotada por cerca de 24 horas para assumir o Ministério da Saúde, foi encarada como alento, ante a gravidade da pandemia de covid no Brasil, até mesmo para setores da esquerda. Mas já no início da tarde passada, a indicada recusou o cargo.
A médica foi objeto de uma espécie de interrogatório pelo presidente Jair Bolsonaro, instada a opinar até mesmo sobre armas, depois ameaçada de morte por apoiadores do presidente e, segundo relatou, houve tentativas de invasão ao quarto do hotel em Brasília em que estava hospedada.
Ouviu termos chulos na entrevista mantida com o presidente e sofreu ameaças de morte nas redes. Após a recusa de Ludhmila, o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Marcelo Queiroga, foi definido como o substituto do general Eduardo Pazuello no comando do Ministério.
— É inacreditável. Primeiro, o tipo de acareação a que submeteram uma profissional de saúde. Perguntar o que ela acha de armas! Se dirigir a uma profissional de saúde com um linguajar e o tipo de colocação feita pelo presidente — disse à agência brasileira de notícias Rede Brasil Atual (RBA) o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Milícia
O parlamentar critica o modo chulo com que o presidente falou com a cardiologista.
— Ela é uma profissional. Sofreu um nível de violência de todas as formas. A violência foi muito maior de que as ameaças, que é quando você extrapola todos os fatores — acrescentou
Sobre os ataques que ela e sua família receberam nas redes após o convite para o ministério, Ludhmila contou que Bolsonaro disse que “faz parte”.
— O presidente da República dizer que ameaça faz parte… Quem diz que ameaça faz parte é chefe de milícia, não o presidente da República. É quem se utiliza da violência e convive com ela. Um criminoso é que acha que a violência faz parte. Um presidente da República não pode achar isso. A violência não faz parte. A lei não prevê a violência, não prevê ameaça. É ‘assim mesmo’? Assim mesmo onde? Ele não é presidente das milícias, mas da República brasileira — repara o deputado.
Modus operandi
“Agressões contra a Dra Ludhmila Hajjar escancaram à sociedade o modus operandi da máquina de ódio bolsonarista. O expediente deles é assim, quem é oposição ou os contraria é alvo de ataques”, escreveu a deputada Gleisi Hoffmann no Twitter.
Durante a pandemia, Ludhmila já se declarou contra a cloroquina, defendeu distanciamento social, uso de máscara e é claramente defensora da vacinação em massa da população. Segundo o site Poder 360, a médica ouviu o seguinte do presidente da República:
— Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me foder e eu depois perder a eleição, né?.
Ainda segundo o site, Ludhmila foi “sabatinada” por Bolsonaro e seu filho Eduardo, que teria perguntado a ela o que pensa de aborto e armas.
Em entrevista ao canal norte-americano de TV por assinatura CNN, na noite passada, a médica afirmou que “esse não é o momento do ministério”, principalmente por motivos técnicos.
— Eu sou médica, sou uma cientista. O que eu vi, o que escrevi, o que aprendi está acima de qualquer ideologia, de qualquer expectativa que não esteja pautada em ciência — afirmou.
Tal entendimento é frontalmente contra Bolsonaro e seu clã durante a pandemia.
Julgamentos
Na manhã desta terça-feira, a jornalistas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que os erros ocorridos na gestão da pandemia “terão de ser investigados futuramente”.
— Tudo isso que está acontecendo em todos os estados, em alguns com maior gravidade, será apurado — prometeu.
Segundo Pacheco, “haverá julgamentos jurídicos, políticos e morais”. O senador chegou a afirmar que não descarta uma CPI.
Tragédia
Após fechar aliança com o Centrão, Bolsonaro conseguiu sair da pressão que vinha sofrendo no Congresso até meados de 2020. Mas o bloco informal tem prazo para arcar com o ônus de apoiar um “chefe” de Estado responsabilizado pela tragédia sanitária brasileira.
— O Centrão nunca pulou no mar. Para ele trocar de barco, tem que ter outro barco ancorado perto — afirma Freixo.
Na opinião do deputado, o futuro do apoio do bloco ao presidente vai depender dos movimentos políticos no país.
— Uma parte considerável desse Centrão não é bolsonarista. Está ali por pragmatismo. Vamos ver por quanto tempo. Falta um ano e meio para a eleição e podem acontecer mudanças significativas — conclui o parlamentar.