A legislação prevê que empresas com 100 ou mais funcionários tenham entre 2% e 5% de trabalhadores portadores de deficiência.
Por Redação, com ABr - de Brasília
Em vigor há 28 anos, a Lei de Cotas para Deficientes apresenta resultados aquém do esperado, tanto pelo governo como por entidades que atuam na defesa dos direitos de pessoas com deficiência.
A legislação prevê que empresas com 100 ou mais funcionários tenham entre 2% e 5% de trabalhadores portadores de deficiência. No entanto, segundo dados da Secretaria do Trabalho, do Ministério da Economia, este percentual nunca passou de 1%.
– Infelizmente, o problema não está restrito ao percentual de contratações – disse a superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Amaral.
Para ela, pessoas com deficiências leves – em geral com membros amputados ou com audição ou visão parcial – são as que têm mais facilidade para preencher essas cotas.
Com isso, as empresas tendem a deixar fora do mercado de trabalho aqueles com deficiências mais graves por, do ponto de vista dessas empresas, apresentarem impedimentos “supostamente” maiores.
– Os totalmente cegos, por exemplo, são pouco procurados apesar de terem ótima capacidade para trabalhar com computadores, devido a recursos de vozes – afirmou Teresa àAgência Brasil.
Deficiência intelectual
– A lei não trabalha empregabilidade para pessoas com deficiências mais graves. A situação mais difícil é de pessoas com deficiência intelectual. É o caso, por exemplo, de quem tem autismo e Síndrome de Down. Nesses casos, o preconceito é quase impeditivo para que eles integrem o quadro de funcionários das empresas – acrescentou.
Segundo a superintendente do IBDD, as empresas deixam de contratar essas pessoas por desconhecerem o bom serviço prestado por pessoas com esse perfil em tarefas simples de limpeza e conservação, montagem de produtos menos complexos ou mesmo em atividades de jardinagem, além de trabalhos em lojas, padarias, lavanderias, entre outros.
– Competência é uma capacidade individual que varia de indivíduo para indivíduo, a exemplo do que acontece com pessoas que não têm limitações – resumiu Teresa, ao defender uma espécie de classificação que leve em conta o tipo de deficiência, de forma a facilitar a contratação de pessoas com deficiências mais graves.
– Falta aos órgãos responsáveis pelas políticas públicas desenvolverem trabalhos de convencimento junto às empresas, de forma a mostrar o quão capazes são as pessoas com deficiência – analisou.
Entre os que não têm deficiência intelectual, os menos empregados costumam ser cadeirantes, em geral, pela necessidade de adaptação estrutural do local de trabalho para a locomoção em cadeiras de rodas, e os totalmente cegos ou surdos.
– As empresas optam apenas por deficiência leve, se possível que não seja aparente. Isso mostra o nível de preconceito que existe nelas – acrescentou a superintendente.
Dificuldades
– No campo das dificuldades, a maior queixa dos deficientes ainda é na parte de infraestrutura, por isso é muito comum as empresas buscarem trabalhadores com deficiências consideradas mais leves, que não impliquem em grandes modificações estruturais ou na comunicação, no caso dos surdos – disse a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Priscilla Roberta Gaspar de Oliveira.
Segundo a secretária, o Brasil ainda está “longe do ideal”, apesar do crescimento observado no mercado de trabalho destinado a pessoas com deficiência, ao longo dos últimos anos.
Entre 2010 e 2017, o percentual de trabalhadores com esse perfil aumentou de 0,69% para 0,95% no mercado de trabalho, segundo o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais), da Secretaria do Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia.
– Falta empatia para os gestores, que, apesar de conhecerem a lei, cumprem somente para observar a cota. A maioria dos contratantes ainda enxerga as pessoas com deficiência como um custo, e não como um investimento – completou a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Preconceito
Na avaliação da superintendente do IBDD, o preconceito continua dificultando a aplicação da Lei de Cotas para Deficientes. E, por causa disso, muito pouco mudou desde a sua implantação.
– Lei existe para ser cumprida. Se fosse aplicada e fiscalizada em toda sua complexidade, teria como resultado números muito maiores e abrangentes de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Era de se esperar que, com 28 anos de existência, essa lei tivesse sua eficiência comprovada em números, o que não ocorreu – afirmou ela.
Segundo Teresa, são bastante comuns situações em que trabalhadores com deficiência são contratados apenas para que as empresas cumpram as cotas, de forma a evitar o pagamento de multas.
– Há muitos casos de pessoas que, apesar de estarem no quadro de funcionários, acabam deixadas de lado, sem tarefas nem funções – disse.
Ainda segundo ela, há também casos de empresas de grande porte preferindo pagar a multa, em vez de cumprir com a cota.
– Além de serem multas relativamente leves para essas empresas, há a possibilidade de, ao recorrerem à Justiça, pagarem valores menores do que o previsto inicialmente. Teve inclusive o caso de uma empresa do setor de construção que conseguiu reduzir uma multa de R$ 6 milhões para apenas R$ 6 mil – disse a superintendente do IBDD.
– Com isso, em muitos casos os termos de ajuste de conduta são permissões para que a empresa não cumpra a lei. As empresas se comprometem a cumprir determinada condição para, depois, se condenadas, serem apenas multadas – acrescentou, ao explicar que cabe ao governo federal fazer a fiscalização e determinar a multa a ser aplicada; e, ao Ministério Público do Trabalho, fazer os termos de ajustes de conduta, informando a conduta errada e propondo o conserto.
Caso não tenha condições de cumprir a determinação, é feita uma outra proposta à empresa. Em muitos casos bastou a empresa oferecer cursos a pessoas com deficiência, mas nem sempre garantindo contratação de quem for bem-sucedido.
– O resultado, em muitos casos, são as empresas deixando de lado a obrigação de preencher as cotas – finalizou Teresa.