Rio de Janeiro, 22 de Dezembro de 2024

João Carlos Martins se despede do piano em São Paulo

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Terça, 18 de Novembro de 2003 às 00:21, por: CdB

Sob a batuta do renomado Júlio Medaglia, e muito bem acompanhado pelo Orquestra Popular de Câmara, o pianista João Carlos Martins teve missão dupla na noite da última segunda-feira na Sala São Paulo.

Acometido por uma grave atrofia que consumiu suas mãos, Martins se despediu do piano. Nunca mais se apresentará ao lado do instrumento que o consagrou. Por outro lado, Martins inaugura uma nova fase em sua carreira: a de regente.

O evento serviu para comemorar os 80 anos da Liga das Senhora Católicas. A organização beneficente reuniu convidados numa noite de caridade e com música da melhor qualidade.

O concerto começou com 'Trumpet Voluntary' do compositor inglês Henry Purcell. Em seguida Medaglia convidou Angela Gheraga como solista ao violino para duas obras de Vivaldi: 'Primavera e Outono' da suite 'As Quatro Estações'.

O brasileiro César Guerra-Peixe contribuiu com a peça 'Mourão', um legítimo baião clássico. Com arranjo de Júlio Medaglia, a canção 'Adios Nonino' de Astor Piazzolla também entrou na programação da noite. A faixa foi composta pelo ícone argentino do tango na ocasião da morte de seu pai.

Mas o mais aguardado era realmente João Carlos Martins. A sonora ovação provou que o pianista teria o apoio de todos durante a apresentação. Sorridente, o músico sentou-se ao Steinway preto e esperou o sinal do maestro Júlio Medaglia. O 'Prelúdio Inspirado' em Bach do americano Chris Brubeck foi a obra escolhida pelo pianista. Pudera, Brubeck é grande amigo de Martins.

Os notas do piano soavam perfeitas, mas eram custosas. A expressão de dor na face de Martins transcendia a verve musical, comum aos artistas de formação clássica. O esforço emocionava o público e alguns, discretamente, enxugaram as lágrimas.

Mas em momento nenhum Martins parou ou errou. Por mais inválido que esteja o deslize não faz parte do gênio brasileiro reconhecido internacionalmente como um dos maiores intérpretes de Bach.

Ao final, Martins se levantou e trocou cumprimentos com Medaglia que cedeu o púlpito ao novo colega regente. Enérgico, João Carlos Martins, debutou para uma nova carreira tão genial quanto a que deixa para trás.

E sob os movimentos delicados de seus braços, a Orquestra Popular de Câmara ecoou os acordes bachianos do 'Concerto Brandemburguês nº 3'. O maestro Júlio Medaglia, ao piano, observava cuidadosamente os movimentos do colega.

Ainda era cedo para uma despedida definitiva. O homem, que no último ano foi aplaudido de pé por cinco minutos seguidos no tradicional Carnegie Hall em Nova York, escolhia o Brasil da forma mais nacional para seu adeus. Precisamente às 22h39, o músico pôs todos de pé durante sua interpretação do Hino Nacional, acompanhado pela Orquestra.

Os cinco minutos finais de Martins ao piano foram momentos para ficar na história. Emocionado, Martins agradeceu, caminhou até o piano e fechou-o. Com um beijo no tampo do instrumento selou o adeus. E assim ele se foi.

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