Há 35 anos, 1980, uma greve sacudiu o Brasil. Naqueles tempos bicudos da ditadura militar, quem ousaria fazer uma greve que parasse por 41 dias o coração da indústria brasileira de então, o ABC paulista e suas poderosas montadoras de automóveis?
Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano, Diadema, Mauá tiveram coragem e ousadia suficientes. Era um grito da consciência dos operários mais organizados do Brasil, que tinham feito greves em 1978/79 e tinham uma liderança maior chamada Luiz Inácio Lula da Silva. O Sindicato dos Metalúrgicos sofreu intervenção, Lula e outros dirigentes sindicais foram presos. Os acontecimentos ecoaram por todo Brasil. Renascia a democracia, de baixo para cima, na consciência, na força e na luta do povo trabalhador.
Nós da Lomba do Pinheiro, conjunto de vilas populares entre Porto Alegre e Viamão, onde eu morava e fazia trabalho de base, conscientização e organização popular, também fomos sacudidos pelos metalúrgicos do ABC. No salão da comunidade São Pedro, organizamos um Fundo de Greve local. Recolhíamos de tudo: roupa, comida, dinheiro, qualquer forma de apoio era bem-vinda. Eram nossos irmãos e companheiros lutando pelos direitos de todos. Aquela não era uma greve qualquer. Era uma greve por salários, por dignidade, por democracia. A solidariedade deveria ser a marca de todos os trabalhadores brasileiros nesta hora. Para nós, de longe, os operários metalúrgicos não só eram lutadores. Eram heróis, que não tinham medo, combatentes da liberdade, construtores da esperança.
Os nomes de muitos tornaram-se nossos conhecidos (e não eram políticos). Não era só o Lula. Era também o Bigode, Guiba, Feijóo, Devanir, Vicentinho, Cicotte, Meneghelli e tantos mais.
Acontecia no Brasil todo. Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Associações de Bairro, Oposições Sindicais, estudantes se mobilizaram. A consciência fazia-se na vida, no cotidiano. Na Lomba do Pinheiro a luta era por água, posto de saúde, transporte público de qualidade.
A maioria dos trabalhadores da Lomba do Pinheiro era formada por pedreiros, serventes da construção civil, mestres de obra, empregadas domésticas, funcionários públicos de baixo salário. Em 1979, na esteira das greves dos metalúrgicos do ABC e dos bancários no Rio Grande do Sul, um grupo de pedreiros e trabalhadores da construção civil deslocou-se para o maior conjunto habitacional em construção em Porto Alegre. E começaram a greve. A massa de trabalhadores caminhou por 10 quilômetros até o antigo estádio dos Eucaliptos, parando todas as obras no caminho, para uma assembleia de milhares de trabalhadores e formando uma Oposição Sindical. Greve não era passeio.
Não por acaso em 1982 os candidatos a prefeito e vice-prefeito do Partido dos Trabalhadores em Viamão – primeira eleição em que o PT participava – eram os pedreiros Zé da Lomba e Mário Declerque, grevistas e da Oposição Sindical. Os votos foram poucos, mas a semente foi plantada. Anos depois, o PT governou Viamão quatro vezes seguidas, como também Porto Alegre, implantando o Orçamento Participativo e sendo a primeira sede do Fórum Social Mundial: ‘Um outro mundo é possível’.
No 1º de Maio de 1980, como sempre, houve um encontro e celebração do povo, das lideranças e das comunidades da Lomba do Pinheiro, com sentido especial, por causa da greve do ABC. Operário em Construção, o belo poema de Vinícius de Moraes, do qual fiz uma adaptação, foi declamado e encenado na rua, com vigor, lágrimas e alegria.
As greves dos metalúrgicos do ABC sacudiram o Brasil. Abriram o caminho para o surgimento da CUT, das Oposições Sindicais, de movimentos sociais como MST, MAB, e do próprio Partido dos Trabalhadores, a redemocratização, as Diretas-Já, a Constituinte.
Em 2015, nas últimas semanas, a discussão do projeto de lei da terceirização tomou conta do país. Os trabalhadores e suas organizações se mobilizaram e conseguiram barrar parcialmente a proposta conservadora, que faz os trabalhadores perderem direitos e recuarem a antes de 1930, como disse Lula num debate. As mobilizações do 1º de Maio de 2015 serão contra a perda de direitos ou sua precarização. Serão a favor de Reformas, como a política, como a tributária, a agrária, dos Meios de Comunicação.
Os tempos mudaram para melhor. As conquistas das últimas décadas são concretas e reais. Não há espaço para retrocessos. O neoliberalismo não pode e não deve voltar. O 1º de Maio e a greve histórica dos metalúrgicos em 1980 são um marco da democracia e de uma sociedade justa, solidária e democrática.
Selvino Heck - Diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)