Rio de Janeiro, 05 de Dezembro de 2025

A guerra híbrida como chacina e traição nacional

Análise crítica sobre a guerra híbrida no Brasil e suas implicações sociais e políticas, destacando a chacina no Rio de Janeiro e o papel do governo.

Terça, 04 de Novembro de 2025 às 13:16, por: CdB

Estamos em meio a mais um ataque de guerra híbrida. É preciso ter nervo para entender e reagir adequadamente. Não se surpreenda com o apoio popular.

Por Paulo Vinícius – de Brasília

Viva la muerte! Abajo la inteligência! José Millán-Astray (Militar e líder fascista espanhol, atacando Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, em 1936).

Estamos – a minoria – chocados com os resultados da pesquisa que dá mais de 80% de apoio à chacina promovida pelo governo do Rio de Janeiro, sob ordens do Governador Castro, alinhado aos interesses dos EUA e ao Bolsonarismo: 121 pessoas mortas, numa “operação” em que apenas 80 foram presos. O nome disso é chacina, massacre. Dá aquele baque emocional. Pô, que é que eu tô fazendo aqui?! Parem o mundo, eu quero descer. Muito bom. É sinal que você quem me lê não cai na armadilha de um dos mais eficazes  discursos do crime organizado, o discurso de que “bandido bom, é bandido morto”. Mas está errada a visão que espera algo diferente, sem ver o óbvio: estamos em meio a mais um ataque de guerra híbrida. É preciso ter nervo para entender e reagir adequadamente. Não se surpreenda com o apoio popular.

A guerra híbrida como chacina e traição nacional | Policiais em operação no Rio de Janeiro
Policiais em operação no Rio de Janeiro

As agências de pesquisas e o que elas perguntam estão fora da nossa determinação e são pagas, em geral, pelo mercado financeiro ou por veículos de comunicação cuja propriedade é de atores importantes do mercado financeiro. As pesquisas são nada diante do big data, a medida da nossa opinião nas redes sociais, feita em tempo real. Ou seja, a pesquisa, a manchete no jornal e na TV, estão fora de nosso controle. Digo mais: as big techs e os gabinetes do ódio digital, também. Sendo a agenda da extrema direita apoiar a intervenção militar estadunidense direta sob o argumento da existência do “narco-terrorismo”, não surpreende, pois é combinado, oficialmente, haja vista o dossiê do governo do Rio à embaixada estadunidense, apoiando a malfadada proposição. A empáfia do governador e sua certeza de impunidade já estava embasada em métricas da opinião pública, apoio político e de potência estrangeira. Por isso ele foi, matou e reivindicou o morticínio. Só quatro pessoas, os policiais, poderiam ser chorados. Isso é construído muito antes do primeiro tiro. Deu tempo inclusive para um vereador carioca aventar como seria bom que houvesse ataques estadunidenses a “narcoterroristas” na Baía de Guanabara, dando o toque sobre o que viria. É verdade, esse bilhete, eles são descarados, tudo ocorre há poucos dias da prisão de Bolsonaro. Eles também são bandidos. A opinião pública não foi construída após o fato, mas antes.

Esquadrão da morte

É como na época da Lava-Jato. Ou apoia a lava-jato, ou é a favor da corrupção, um “lulo-petista”. Ou tu apoia o esquadrão da morte, os milicianos e bolsonaristas, ou é bandido também. No fim, é tudo comunista e precisa morrer. O nazismo e o fascismo precisam das duas coisas: que a emoção embote o pensamento, que se defina tranquilamente que precisamos eliminar uma classe inteira de pessoas.

Ademais, isso é um sistema. O mesmo crime organizado está infiltrado no Estado e nas polícias. Jamais quem ganha mesmo com isso morrerá numa operação dessas. Isso é para um lugar aonde há sobretudo pessoas negras. Essa prática é secular. Sempre fizemos isso com a mesma cara de pau: é admissível a guerra contra as comunidades em que estão negros e índios. Jamais uma operação assassina ocorreria num bairro em que a maioria das pessoas se acha branca. Se fossem brancos empilhados, a solidariedade seria outra.

É preciso afirmar em alto e bom som que o crime organizado não está apenas nas facções, e jamais esteve a elas relegado. Não se deve ignorar que esquadrões da morte e milicianos são crime organizado também, fazem as mesmas barbaridades. Mas tem muito mais poder. Podem até se articular com governos e até potências estrangeiras, e ainda posar de quem está contra o crime. Mentira. Se a operação fosse outra coisa que não uma chacina eleitoreira, nós aceitaríamos isso em nosso bairro. Levar pra sua vizinhança a chacina, quem quer? Nessa guerra entre bandidos, quem morre é o povo. Não se combate o crime praticando crime e matando gente, isso é crime do mesmo modo. Vingança não é Justiça. Na pesquisa, jamais entraria a pergunta: “Você que apoia a “operação”, aceitaria que ela fosse feita no seu bairro?”

Essa sensação de júbilo com atos cruéis e assassinos demonstra como a turma está perdida e curtindo a perversão, sem pensar direito. Olha, o carioca que circula pelo Rio pode ficar tranquilo, sabendo que está mais seguro? Os caras fizeram uma orgia de sangue digna das Waffen SS nazistas. Pegaram 2500 trabalhadores policiais militares e meteram eles nisso aí. Não apenas inexistiu escolha. Foi um rito de passagem. Eles aplicaram unidos o grito fascista de Viva a morte! E a defesa desses atos é feita sob a mesma lógica de Abaixo a Inteligência! Importa o ódio, o medo, a vingança. E esses trabalhadores foram para casa, depois de terem feito essas ações criminosas, elogiados, apoiados. Você se sente seguro ao saber que um policial que arrancou cabeça, fez tudo aquilo, que ele te “protege”? O que foi feito com a PM de SP e do RJ é monstruoso com o povo e com os policiais também. Eles são um público com altas taxas de suicídio e problemas de saúde mental, tanto quanto os bancários, que curioso.  Esses episódios são exemplares e progressivos: começam com um grupo cujo extermínio é legitimado e terminam fazendo com todo mundo, como fizeram com o Vladimir Herzog, há 50 anos.

Massacre e chacina

E, por fim, não podemos esquecer que o massacre e a chacina sempre foram capazes de atrair aplausos. Sob os auspícios das classes dominantes, promoviam os circos, que, literalmente, se faziam com sangue e vísceras, sob aplausos. A Bíblia já nos alerta que se gritou “Barrabás”, libertem Barrabás, e não a Jesus. No Sul dos EUA, os linchamentos de pessoas, negras, enforcadas, era motivo de fotografias comemorativas, cartões postais. Toda vez que uma mulher apanha e a gente passa direto, toda vez que uma Dandara é trucidada e nada fazemos, toda vez que a polícia faz uma chacina, é-nos dito algo imemorial nos ouvidos, nas nossas almas brasileiras. É-nos dito o mesmo quando o índio, o negro, o comunista eram triturados à luz do dia, torturados, mortos, decapitados: Passa direto! Não olha, não! Fica na tua! E a gente obedece, porque também nos é dito: posso fazer o mesmo contigo.

Então, o sentido de rebeldia e amor em nós precisa ser muito forte, para não conceder nada à necropolítica, ao imperialismo estadunidense, aos bandidos. A Frente Ampla deve se afirmar por aí. E há uma parte dessa discussão que não pode ser contornada: é preciso que as forças armadas brasileiras compreendam seu magno papel de não se deixarem capturar pelo crime organizado, pelo imperialismo estadunidense, pelos que desejam a destruição do Brasil. As forças armadas precisarão outra vez reafirmar seu compromisso com a democracia, ou seremos arrastados para um caminho de desagregação.  Correta está a análise de Elias Jabbour: o neoliberalismo conduz à desagregação nacional, ao empobrecimento e à subordinação do Brasil aos EUA. Esse é um capítulo.

O papel de Lula se agiganta. Fica mais claro, agora, como o governo federal tem atuado para resolver, em vez de politizar o problema para dele tirar proveito. O controle da lavagem de dinheiro, facilitada com o pix e a criação das Fintechs, é um exemplo. As medidas de justiça tributária trazem para dentro da economia real muitos que poderiam estar fora. O ganho real do salário mínimo, o aumento do emprego formal e o crescimento da economia e a redução da informalidade. A PEC da segurança pública – que unifica nacionalmente o combate ao crime organizado – é fundamental para uma ação séria e efetiva. Lula sancionou o projeto de endurecimento das penas para facções criminosas. Avança o trabalho de inteligência. É nessa hora que eles dão um cavalo de pau e saem matando, muito estranho. Eles votam para proteger os bilionários que ganham com o que? Tem quem queira guerra, golpe e confusão. E o povo quer paz e solução. Vamos enfrentar o problema.  Grita em nossos ouvidos a urgência da união do nosso povo para enfrentar esses inimigos tão cruéis e brutais, quanto inimigos do Brasil e de sua gente.

 

Paulo Vinícius, é sociólogo e Bancário. Membro da direção Nacional da CTB.

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