Segundo as organizações de defesa dos direitos humanos Hengaw e Hrana, desde o início da guerra, o regime iraniano teria prendido entre 734 e 1.295 pessoas sob acusações como “espionagem para Israel”.
Por Redação, com RFI – de Teerã
Após 12 dias de guerra com Israel, o regime iraniano acelera a repressão. Segundo um relatório da ONG Hengaw, ao menos 734 pessoas foram presas desde o início do conflito e vários prisioneiros foram executados sob acusação de espionagem. A população iraniana, por sua vez, vive clima de angústia e tensão.

“A República Islâmica venceu e, em retaliação, deu um tapa contundente no rosto da América”, declarou na última quinta-feira, o aiatolá Ali Khamenei, em um vídeo gravado após a conclusão de um cessar-fogo entre Irã e Israel, na semana passada.
Após 12 dias de guerra com Israel e 1.190 mortos, segundo dados da Hrana News Agency, a República Islâmica tenta se mostrar inabalável e intensificou drasticamente a repressão em todo o país, sob o pretexto de preservar a segurança nacional. Uma “caça aos espiões” que, na realidade, visa principalmente minorias — especialmente curdas —, opositores, prisioneiros políticos, afegãos e baha’is (seguidores de uma religião monoteísta independente fundada no século XIX).
Segundo as organizações de defesa dos direitos humanos Hengaw e Hrana, desde o início da guerra, o regime iraniano teria prendido entre 734 e 1.295 pessoas sob acusações como “espionagem para Israel”, “uso de drones”, “contrabando de armas” e “atentado à segurança nacional”. As autoridades não esconderam a intenção de recorrer à pena de morte para punir as pessoas acusadas de “espionagem” ou “cooperação com Israel e os Estados Unidos” e, enquanto aguardam a aprovação de um projeto de lei para alterar o Código Penal nesse sentido, o Judiciário acelera os processos para julgar, condenar e punir qualquer um considerado um possível opositor.
Ao menos seis prisioneiros foram executados sob acusação de espionagem e colaboração com Israel, sendo três deles poucas horas após o anúncio do cessar-fogo. Os seis prisioneiros executados haviam sido presos antes do início da guerra, o que preocupa particularmente as famílias de presos políticos. Mahan Mehrabi não tem notícias de seu irmão Mahmoud, preso desde 2023 após ser detido nas manifestações provocadas pela morte de Mahsa Amini, e condenado à morte em maio de 2024. “Ele ainda está preso. Estou muito preocupada”, afirma ela.
Desaparecimentos e transferências de prisioneiros
“Cerca de 800 pessoas foram presas e levadas para locais desconhecidos. Enquanto os meios de comunicação estavam todos concentrados nos ataques, os prisioneiros estavam em perigo”, afirma Shiva Mahbobi, ex-prisioneira política e porta-voz do Comitê para a Libertação dos Prisioneiros Políticos (CFPPI).
Ali Younesi, estudante de engenharia da computação e medalhista de ouro na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica de 2018, preso desde 2020, foi transferido para local desconhecido após o início da guerra e poucos dias antes do ataque de Israel à prisão de Evin. Até terça-feira (1°), quando ele conseguiu, segundo seu irmão Reza, fazer uma breve ligação de uma área de segurança máxima da prisão de Fashafuyeh, ao sul de Teerã, ninguém — nem a família, nem seu advogado, nem mesmo seu pai, também preso — tinha informações sobre ele. O acadêmico sueco-iraniano Ahmadreza Djalali, detido desde 2016 e condenado à morte, também foi transferido para local desconhecido.
O ataque de Israel à prisão de Evin aumentou os riscos para os prisioneiros. Em 23 de junho, vários deles publicaram nas redes sociais um comunicado relatando a destruição da enfermaria e uma repressão ainda mais severa por parte das autoridades prisionais desde o ataque israelense.
– Vários prisioneiros ficaram feridos, especialmente na seção 4 da prisão de Evin, assim como presos-trabalhadores. Estou preocupada com [a francesa] Cécile [Kohler, N.R.], que hoje deve ser uma das prisioneiras mais antigas da seção 209 – explica uma de suas ex-companheiras de cela, Sepideh Qoliyan, em contato com famílias de prisioneiros.
Alguns detentos foram transferidos para outras prisões, como Fashafuyeh ou Qarchak, sem que as famílias fossem informadas. O risco, segundo Shiva Mahbobi, é que eles sejam colocados com presos comuns, “que podem atacá-los após serem manipulados pelo regime”, alerta. Trata-se de uma forma de eliminar opositores sem as autoridades assumirem a responsabilidade.
Racismo de Estado contra afegãos e repressão a minorias
O regime islâmico também ataca minorias étnicas e religiosas, especialmente a comunidade sunita iraniana. Assim, a Hengaw contabiliza 125 prisões de curdos na província de Kermanshah e outras 59 em Ourmia, no noroeste do país. Segundo um artigo do jornal britânico The Guardian, militantes e combatentes pertencentes a diversas facções separatistas curdas iranianas, com base no Curdistão iraquiano, teriam sido presos. Em suas redes sociais, Sepideh Qoliyan também expressa preocupação com duas prisioneiras políticas curdas condenadas à morte: Pakhshan Azizi e Warisha Moradi. As minorias balúchi, lurs e os habitantes do Khuzistão também são alvos das autoridades do regime.
Os baha’is, minoria religiosa historicamente perseguida pela República Islâmica, enfrentam uma nova onda de prisões, segundo a ONG Hengaw, especialmente em Isfahan e Shiraz:
“Sempre foi assim. Esse tipo de situação sempre foi perigosa para nós, mas não podemos fazer nada”, afirma um membro da comunidade, que prefere se manter longe da política.
Segundo a Hengaw, para prendê-los, o regime força vizinhos e amigos a apresentarem queixas contra eles. As autoridades também pediram à população que denuncie qualquer caso suspeito à polícia. Apelos à delação que não dizem seu nome.
Afegãos exilados são os mais afetados pela política de segurança e racismo do regime
– A situação é catastrófica – afirma Zaher Zahir, presidente da Associação Cultural dos Afegãos de Estrasburgo, na França.
Já ameaçados de expulsão por uma campanha anti-imigração, mais de 230 mil afegãos foram forçados a atravessar a fronteira de volta para o Afeganistão às pressas em junho, a maioria expulsa pelas autoridades iranianas. Muitos dos que ainda estão no Irã têm medo de relatar o que está acontecendo. Alguns foram presos, acusados de pertencer a redes de inteligência.
Embora prisioneiros como Narges Mohammadi ou Nasrin Sotoudeh recebam certa proteção por serem mundialmente conhecidas, “90% dos prisioneiros iranianos vivem em completo anonimato”, afirma Shiva Mahbobi, que teme execuções em massa como as que ocorreram após a guerra com o Iraque, em 1988.
Para se proteger, o regime executou na época mais de 5 mil prisioneiros políticos.