O norteamericano-brasileiro George Santos (duvido que não tenha dupla nacionalidade!) é também deputado nos EUA, do que o Brasil deveria se orgulhar, eleito graças a um curriculum vitae falso da primeira à última linha. Mas não é só! George Santos mente como respira, por necessidade ou por hábito desde a infância. Por isso, sua diferença com outros mentirosos, como Trump, Bolsonaro, Silas Malafaia, o padre, o pastor, o umbandista de sua rua e outros enroladores.
Por Rui Martins
– Alô George, aqui é Júlia Barbon da Folha… me conta bem depressa uma mentira… – Sorry, I don’t speak Portuguese! (Tradução: Desculpe, eu não falo português!) Bingo! George, que viveu em Niterói, não falhou, sua nova mentira não demorou um segundo e confirmou sua fama, revelada, há poucos meses, de maior mentiroso dos Estados Unidos, do Brasil e do mundo, lá longe, bem na frente de Donald Trump, de Jair Bolsonaro, de Silas Malafaia e outros profissionais da mentira que, diante dele, parecem amadores. A tentativa de diálogo por telefone, da correspondente da Folha no Rio de Janeiro não foi bem assim, mas pode ser assim resumida. George ou Jorge? dos Santos não queria conversa. A solerte repórter, como diria Cleonte de Oliveira, meu primeiro chefe de redação no Estadão da Major Quedinho, assustou a versão brasileira do alemão barão de Munchaüsen, por ter descoberto que seu advogado tinha pertencido à milícia de Niterói. O célebre barão ficou famoso não tanto por se aproveitar de suas mentiras, mas por tê-las literalizado: suas mentiras se transformavam em atraentes contos. Como no século XVII não havia telefone, fax e muito menos internet e whatsapp, muitos nobres pegavam carruagens numa longa viagem para ir a Bodenwerder ouvir suas mentirosas histórias, como a de ter viajado para a Rússia sentado na bala de um canhão ou de ter saído de um lodaçal onde afundara com seu cavalo graças ao estratagema de puxar para cima sua peruca. Em síntese, as mentiras do barão de Munchaüsen eram divertidas e agradáveis de se ouvir. Tem gente que ganha a vida e mesmo cargos políticos contando mentiras de fazer medo. As pessoas devem ter atração pelas mentiras bem contadas ou bem escritas, pelas quais pagam mesmo para ouvir, sentindo com elas calafrios ou êxtases, deixando ofertas para o contador. Existe mentiras para todos os gostos: céu cheio de anjos, inferno de fogo e diabos com espetos, purgatório de purificação mantido na temperatura de forno, virgem que concebe e dá a luz, multiplicação de peixes e de pães, cobra falante, línguas de fogo caindo do céu, gente falando idiomas sem ter feito curso na Yázigi, ressurreição de mortos, velho fecundando velha e tendo filho, viajar dentro de uma baleia sem se sufocar, tudo isso pode ser muito engraçado ou perigoso. Uma pergunta logo surge: a mentira é de direita ou de esquerda? Na verdade, vai depender do gosto ou do interesse do freguês. Hitler, por exemplo, utilizou os estúdios e artistas da UFA, Universum Film AG, a grande rede de estúdios cinematográficos alemã, para levar ao cinema As Aventuras do Barão de Munchaüsen. A esquerda também tem seus livros, histórias, contos e personagens relatando aventuras e paraísos dignos do barão alemão. Para cada mentira canhota ou destra existem tolos, crédulos, ingênuos, mas também espertos que acreditam. Falta a mentira agradável, a mentirinha engraçada, divertida, da qual o maior representante é o italiano Carlo Collodi, que criou Geppetto, o carpinteiro que transformou um pedaço de madeira vivo e falante no menino ou boneco Pinóquio. A criatura acabou se tornando mais conhecida que seu criador ao ser adotada, levada da Itália aos EUA e se tornar a personagem de suas próprias histórias em “As Aventuras de Pinóquio”, de Walt Disney. Disney e Collodi tinham criado um marcador para as mentiras de Pinóquio, o nariz crescia à medida que o boneco mentia! Ah, se na realidade isso também ocorresse! George Santos, Donald Trump. Jair Bolsonaro, Silas Malafaia, Michelle, Damares e outros tantos fariam parte do Cordão dos Narigudos, neste Carnaval. Contam os norte-americanos que George Anthony Devolder Santos conquistou Trump com suas mentiras. George tinha sido candidato a deputado em 2020, mas perdera e logo alegou ter havido fraude e roubo de seus votos na contagem das cédulas impressas. Ambos se abraçaram e se reconheceram como da mesma família de mentirosos. No dia seguinte à sua derrota, o George brasileiro começou sua campanha para 2022 com a frase Stop the Steal! A mesma de Trump, a mesma de Bolsonaro, a mesma que os bolsonaristas erguiam na Europa: Fomos roubados! Assim, nas portas das igrejas, atualmente os focos vivos da extrema-direita no Brasil, os pastores explicam: “não somos anti-democratas, nem golpistas, só queremos justiça. Nós não perdemos as eleições, nós fomos roubados. E confiamos em Deus para restabelecer a verdade!” Mentira dentro ou na porta da igreja é santificada! O Partido Republicano não pretende expulsar George Santos por ser um mentiroso compulsivo, nem por ter sua vida construída sobre mentiras, porque precisam do seu voto no parlamento. Os bolsonaristas não pedirão desculpas e nem mudarão da mentira para a verdade. A mentira virou religião e fanatismo, crença e fé, e será repetida até virar dogma em 2026. Atenção! *** Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.