O livro Villas Bôas – Conversa com o Comandante é o resultado de 13 horas de entrevistas do professor Celso Castro com o general que comandou o Exército de 2015 a 2019. O texto foi revisto pelo militar até maio de 2020 e devolvido com acréscimos que ampliaram a obra em até um terço.
Por Redação - de São Paulo
“Às três horas da madrugada tocou o telefone na casa de (ex-presidente José) Sarney. Era o general Leônidas (Pires Gonçalves), que começou a conversa com um “boa noite, presidente”. Sarney repetiu que não queria assumir e Leônidas disse-lhe que “não temos espaço para erros”. Despediu-se com outro “boa noite, presidente”. A cena contada pelo general Eduardo Villas Bôas, autor de um recente livro de memórias, “nunca aconteceu”, desmente o jornalista e escritor Elio Gaspari, em artigo publicado neste domingo.
“Tancredo não estava morto. Ulysses nunca quis uma nova eleição e sempre defendeu a posse de Sarney. O general Leônidas era formal, mas não dava continência falando ao telefone”, acrescenta Gaspari.
Conspiração
O livro Villas Bôas – Conversa com o Comandante é o resultado de 13 horas de entrevistas do professor Celso Castro com o general que comandou o Exército de 2015 a 2019. O texto foi revisto pelo militar até maio de 2020 e devolvido com acréscimos que ampliaram a obra em até um terço. “VB’, como é chamado pelos colegas, rememora sua vida, da infância de Cruz Alta aos dias tensos do impedimento de Dilma Rousseff e da eleição de Jair Bolsonaro (sem partido)”, descreve o jornalista.
No livro, o general aborda seu famoso tuíte de 2018, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF): “um alerta, muito antes que uma ameaça” e do agradecimento que Bolsonaro lhe fez pouco depois de ter sido empossado:
“Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por estar aqui. Muito obrigado, mais uma vez”. O general explicou: “Morrerá entre nós! Garanto que não foi um tema de caráter conspiratório”.
“O tempo e novas memórias do período lapidarão as lembranças de Villas Bôas”, ressalta Gaspari.
Tríplex do Guarujá
A mensagem no Twitter do então comandante do Exército, no entanto, tinha um teor bastante mais incendiário do que o publicado. Segundo o relato feito em um depoimento publicado pela Fundação Getúlio Vargas na semana passada pelo general da reserva Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2014 a 2019, ao menos três ministros do governo Bolsonaro e o atual chefe da Força souberam da nota.
O texto foi atenuado por recomendação do então ministro da Defesa, general da reserva Joaquim Silva e Luna, hoje diretor-geral de Itaipu. O episódio foi relatado, neste domingo, ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo (FSP), por integrantes do governo Michel Temer (MDB) que não se identificaram.
“No dia 2 de abril de 2018, uma segunda-feira, o comandante Eduardo Villas Bôas discutiu a ideia de admoestar o Supremo Tribunal Federal, que em dois dias iria julgar um pedido para evitar a prisão de Lula, condenado em segunda instância no caso do tríplex de Guarujá. Silva e Luna foi alertado acerca do tuíte e ficou assustado. Acionou o general da reserva Alberto Mendes Cardoso, conhecida voz moderada que foi chefe da Casa Militar/Gabinete de Segurança Institucional do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)”, relata a FSP.
Negativa
Procurado pela reportagem do Correio do Brasil para confirmar, ou negar, a história, Silva e Luna não retornou às ligações.
"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", dizia a primeira postagem, feita no dia 3 de abril. "Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais", completava, segundo a FSP.
No livro da FGV, o general afirma que não discutiu o tema com o ministro, embora cite erroneamente Raul Jungmann como o titular da pasta — ele havia deixado da Defesa no começo de 2018 para assumir a Segurança Pública. Lula acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril, foi preso em Curitiba, por ordem do então juiz Sérgio Moro.
O líder petista deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segunda instância. Lula, agora, recorre ao STF para denunciar a suspeição de Moro.