Por meio da Superintendência da Receita Federal de São Paulo, funcionários da Receita que sofreram pressão do ex-chefe decidiram registrar uma representação junto ao departamento da Fazenda, para que esses atos sejam investigados.
Por Redação, com RBA - de Brasília
O ex-chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes pressionou funcionários do órgão para liberar o conjunto de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões (3 milhões de euros) que foram dadas de “presente” pelo governo da Arábia Saudita para o então presidente Jair Bolsonaro (PL) fossem liberadas. Os atos de coação praticados contra os servidores resultaram em denúncias levadas à Corregedoria do Ministério da Fazenda.
Por meio da Superintendência da Receita Federal de São Paulo, funcionários da Receita que sofreram pressão do ex-chefe decidiram registrar uma representação junto ao departamento da Fazenda, para que esses atos sejam investigados. A denúncia é assinada pelo comando da superintendência e os delegados da alfândega de Guarulhos.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo (Estadão), Gomes usou contra servidores públicos de diversos departamentos atos extraoficiais como mensagens de texto e de áudios por WhatsApp, telefonemas e e-mails, com o objetivo de reaver as joias e enviá-las ao então presidente Jair Bolsonaro e à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O conjunto estava sendo transportado em uma mochila de um assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque que tentou passar sem a devida declaração à Receita.
Em um dos áudios reportados pelo Estadão, o ex-chefe pede que um servidor acesse outro departamento da Receita, a Coordenação-Geral de Programação e Logística (Copol), e passe o contato dele para o responsável da área, sob o argumento de que precisa explicar o caso da retenção e que se trata de item que “faz parte do gabinete pessoal” da Presidência da República. “Existe um gabinete pessoal, é um órgão que ele criou”, diz.
Na tentava de driblar a negativa de liberação dos diamantes dados pelo regime saudita, ele afirma ao servidor: “Eu te liguei agora, não precisa me retornar, não. Mas passa meu telefone, por favor, para o… Pô, eu sei que o sobrenome dele é (Gomes diz o sobrenome do servidor), que é da Copol, e que passou a informação lá para o (Gomes cita o nome do delegado da Receita), lá de São Paulo, dizendo que tem que ser o secretário de Administração da Presidência para assinar o ofício no caso de doação. Eu preciso explicar para ele que não é isso. Que é outra coisa”, diz Gomes.
Ele prossegue, tentando convencer o servidor da Receita da legitimidade de sua interferência: “É um outro órgão, outra unidade separada da Presidência da República como um todo. É um outro órgão chamado acervo histórico e pessoal. Faz parte do gabinete pessoal da Presidência da República. É um órgão lá dentro que ele criou. Tem um decreto, que ele criou. E o responsável por isso daí é quem assinou o ofício. Eu vou mandar o decreto”.
“Equivocado”
O decreto referido por Gomes é o 4.344, de 26 de agosto 2002, que trata de regras sobre “preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República”. Porém, servidores da Receita explicam que o ex-chefe adotou uma interpretação equivocada das regras para tentar liberar os diamantes e, portanto, cometeu um ato irregular.
Por esse “entendimento” mencionado pelo então secretário da Receita, os presentes recebidos pelos mandatários só devem ser incorporados ao patrimônio público se tiverem sido dados em solenidade de troca de presentes. “Os documentos que constituem o acervo presidencial privado são, na sua origem, de propriedade do presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda”, afirma a lei.
Em 2016, porém, o Tribunal de Contas da União (TCU) vedou esse tipo de interpretação e determinou que presidentes e ex-presidentes só podem ficar presentes que sejam “de uso pessoal ou de caráter personalíssimo”. A reportagem lembra, inclusive, que o órgão determinou a devolução de 434 presentes recebidos por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e 117 dados para Dilma Rousseff (2011-2016).
Apontado o “equívoco” da interpretação do decreto, a Copol respondeu à ofensiva do ex-secretário e emitiu ofício formal, novamente negando a entrega do conjunto de joias.
Aplicativo
Em outra frente de coação, Gomes usou o WhatsApp para dar ordens e pressionar funcionários para reaver dos cofres da Receita o “presente” cobiçado por Bolsonaro. Diversas mensagens a diferentes servidores foram disparadas nos meses que antecederam o fim do mandato do ex-presidente. Na avaliação dos servidores, o uso do aplicativo foi um ato calculado. Com esse tipo de atitude, que foge do rito interno da Receita, o ex-secretário evitava deixar suas digitais em sistemas oficiais.
As tentativas ocorreram até o dia 29 de dezembro. Júlio Gomes telefonou para o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, quando este tinha acabado de desembarcar no Aeroporto de Guarulhos. A mando do gabinete pessoal de Bolsonaro, o militar viajou para São Paulo para tentar levar as joias a Brasília. A manobra foi novamente negada.
Um dia depois, Gomes foi indicado por Bolsonaro para um cargo na Embaixada do Brasil em Paris, na França. A nomeação foi revertida pelo governo Lula.