Líder de uma corrente política de extrema direita, Bolsonaro cometeu a descortesia de convidar, e depois desconvidar, representantes de nações vizinhas, a exemplo da Venezuela e Cuba; mesmo após receber a negativa antecipada destes chefes de Estado.
Por Redação - de Brasília
Excluídos os três séculos do exercício diplomático brasileiro, nos dois reinados e a República Velha, o Instituto Rio Branco — em seus mais de 70 anos — não presenciava o desprestígio que o Brasil vem merecendo dos demais países do mundo. Na posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), o esvaziamento político é percebido a olho nu.
Líder de uma corrente política de extrema direita, Bolsonaro cometeu a descortesia de convidar, e depois desconvidar, representantes de nações vizinhas, a exemplo da Venezuela e Cuba; mesmo após receber a negativa antecipada destes chefes de Estado. Valendo-se de uma inesperada aproximação com Israel, Bolsonaro divulgou que o primeiro-ministro daquele país, no Oriente Médio, Binyamin Netanyahu, estaria presente ao ato, na semana que vem.
Bibi, como é conhecido do eleitor israelense, no entanto, avisou nesta quarta-feira que não estará na foto, ao lado de Bolsonaro. Principal estrela internacional da festa, Netanyahu manteve o encontro com o pesselista, no Rio, nesta sexta. No entanto, estará de volta a Israel no domingo, enquanto a posse ocorrerá na próxima terça-feira.
Pária internacional
O premiê israelense alega problemas políticos na agenda, em meio à pior crise política que enfrenta. Sob pressão da ala ultraortodoxa de sua coalizão, irritada com o plano de obrigar religiosos desse grupo judaico a servir nas Forças Armadas, Netanyahu enfrenta pesadas acusações de corrupção. O Estado judeu passará por eleições parlamentares em abril do ano que vem.
Para Bolsonaro, no entanto, a reviravolta marca o esvaziamento quase que total do evento, premido por medidas inéditas de segurança, na Praça dos Três Poderes e pela ausência de convidados ilustres. Mesmo os EUA, cuja bandeira foi saudada por Bolsonaro com uma continência e a promessa de alinhamento automático, desistiram de mandar como seu representante o vice-presidente Mike Pence. Em seu lugar, deverá comparecer o secretário de Estado, Mike Pompeo, se até lá não houver nova desistência.
Nenhum dos países europeus estará representado por algum chefe de Estado. Com a decisão de Bolsonaro de negar os acordos climáticos de Paris e a iniciativa da ONU por migração segura, o país é colocado na condição de pária internacional.
Barreiras
Para deixar o Itamaraty em situação ainda mais delicada, o futuro chanceler Ernesto Araújo publicou em seu blog, o Metapolítica 17, nesta quarta-feira, um texto em que ataca os “formadores de opinião”. Atira, assim, para dentro das próprias fronteiras.
“Algo está acontecendo no Brasil, colocando-nos na vanguarda de um processo mundial. Estamos derrubando as barreiras que separavam vários aspectos da vida e do pensamento humanos. As barreiras entre a vida material e a espiritual. Entre a economia e os valores profundos. Entre a política e o povo”, escreveu.
Araújo acrescentou que “a elevação dessas barreiras, cada vez mais altas, vinha ameaçando sufocar a humanidade, com a regra absurda de que política é só política, economia é só economia, diplomacia é só diplomacia”. E continuou: “Cada neurônio em um cubículo, sem se comunicar com os demais. Isso gerou sociedades técnicas, frias, sem viço. Embruteceu o pensamento humano”.
Obviedade
Defensor de teses tão polêmicas quanto a curvatura da Terra, Araújo acredita que o novo governo será capaz de atuar em um nível metafísico.
“Estamos derrubando essa horrível prisão do espírito feita de tantas celas solitárias. De repente, as ideias se reconectam aos sentimentos. As pessoas se reconectam aos seus próprios anseios profundos. Os cidadãos se reconectam uns aos outros e descobrem que formam uma nação. O próprio Deus, que era um prisioneiro triste acorrentado em uma daquelas celas, recomeça a circular livremente pela alma humana”, escreveu o diplomata.
E destaca:
“Por algum motivo, isso apavora alguns ‘formadores de opinião’. Eles adoravam aquele mundo confortável, tautológico, onde bastava repetir frases feitas, respeitar os muros da própria cela, e estava ganho o seu dia. Isso acabou, mas eles se recusam a ver e se desesperam: ‘Cadê a parede que estava aqui? Cadê a minha obviedade? O que é isto que está vindo ali? Uma ideia original? Um sentimento verdadeiro? Não! Não! Eu quero voltar para a minha cela!”, conclui.