Moscou reagiu à decisão de Washington de aumentar o armamento ucraniano, argumentando que isso leva a uma maior escalada do conflito. Como afirmou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, “os EUA e seus aliados estão tentando prolongar o conflito o máximo possível”.
Por Redação, com Brasil de Fato - de Kiev
O anúncio de fornecimento de armas ofensivas do Ocidente à Ucrânia em meio a expectativas de um grande avanço russo no país gera expectativa para uma nova etapa no conflito entre Moscou e Kiev. Enquanto as tropas russas avançam sobre a cidade de Bakhmut, um dos epicentros do conflito atualmente, os EUA confirmaram a entrega de mísseis de longo alcance para a Ucrânia.
Essa grande ofensiva russa sobre regiões estratégicas do leste ucraniano vem sendo prevista há semanas por especialistas militares, autoridades ocidentais e inteligência ucraniana. Nesta semana, uma publicação do jornal Financial Times (FT) relatou que Moscou prepara uma ofensiva de larga escala. A reportagem ouviu uma série de especialistas e fontes próximas ao comando das Forças Armadas da Ucrânia.
De acordo com as fontes do FT, a Rússia vem reunindo tropas no leste ucraniano há várias semanas. A expectativa do Ministério da Defesa de Kiev é de que o exército russo ataque as regiões de Donetsk, Kharkov e Zaporozhye, e se defenda na região composta por Kherson e Crimeia.
Em contrapartida, na semana passada, os EUA aprovaram um novo pacote de ajuda militar de US$ 2,2 bilhões (R$ 11,6 bilhões) à Ucrânia, o que inclui mísseis capazes de atingir alvos a uma distância de 150 quilômetros. O porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, Patrick Ryder, afirmou que o pacote de ajuda militar dará ao país uma capacidade de “novamente conduzir operações em defesa de seu país e de retomar seu território soberano em áreas ocupadas pela Rússia”.
Moscou reagiu à decisão de Washington de aumentar o armamento ucraniano, argumentando que isso leva a uma maior escalada do conflito. Como afirmou o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, “os EUA e seus aliados estão tentando prolongar o conflito o máximo possível”.
– Para fazer isso, eles começaram a fornecer armas ofensivas pesadas (para Kiev) e a apelar abertamente à Ucrânia para que tome nossos territórios. Essas medidas estão praticamente atraindo os países da Otan para o conflito, o que pode fazê-lo escalar de forma imprevisível – destacou o ministro.
Somado a isso, na última quarta-feira, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, iniciou sua segunda viagem internacional desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro.
O líder ucraniano esteve na Reino Unido na quarta, onde se reuniu com o primeiro-ministro Rishi Sunak e o Rei Charles III no Palácio de Buckingham. Ele também fez um discurso ao Parlamento britânico, no qual pediu que Londres enviasse caças de combate a Kiev. Em seguida, viajou para a França para se reunir com Emmanuel Macron. Na quinta-feira, foi para Bruxelas participar de uma cúpula extraordinária com os membros da União Europeia.
A turnê de Zelensky na Europa, cujo foco foi o lobby por maior entrega de armas do Ocidente à Ucrânia, sobretudo após a confirmação da entrega de mísseis de longo alcance dos EUA, surge como uma forma de a Ucrânia preparar uma contra-ofensiva contra a Rússia.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, aponta que as duas partes estão se preparando para uma escalada da guerra, mas só será possível falar de uma nova etapa do conflito após os resultados do impacto da ofensiva russa.
– Eu acho que, antes de tudo, hoje todos esperam uma ofensiva da Rússia e não uma contra-ofensiva da Ucrânia. Ou seja, eu acho que só depois disso poderemos falar de uma nova etapa da guerra. É claro que o acontece agora não é uma pausa, não existe nenhuma pausa, mas todos esperam uma nova escalada – aponta o analista.
De acordo com Ignatov, o reforço do armamento ofensivo da Ucrânia por parte do Ocidente é, ao mesmo tempo, um sinal à Rússia de que o Ocidente não irá parar com o fornecimento de armas e “que a Rússia não pode alcançar seus objetivos pelo caminho militar”.
– Isso é o mais importante da intenção do Ocidente. Se for possível convencer a Rússia de que ela não alcançará seus objetivos através da via militar, então ela pode se sentar à mesa de negociações – acrescenta.
Avanço pelo leste
Na quinta-feira, o Instituto Americano para o Estudo da Guerra (ISW) publicou um relatório afirmando que as tropas russas já tomaram a iniciativa na linha de frente na Ucrânia e lançaram outra grande ofensiva na região de Lugansk.
Segundo analistas do instituto, o ritmo das operações russas ao longo da linha da parte ocidental da região de Lugansk aumentou acentuadamente na semana passada e o comando militar russo teria enviado partes de várias divisões para a região para realizar operações ofensivas decisivas.
"O envolvimento de elementos significativos de pelo menos três grandes divisões russas em operações ofensivas nesta área indica que a iniciativa russa começou, embora as forças ucranianas ainda não permitam que as tropas militares de Moscou façam progressos significativos", diz o relatório.
Crimeia pode voltar a ser foco da guerra
O fornecimento de armas do Ocidente a Kiev também pôs na pauta da guerra uma possível ofensiva ucraniana sobre a Crimeia para buscar retomar o controle sobre a península, anexada pela Rússia em 2014. O assessor do gabinete do presidente da Ucrânia, Mikhail Podolyak, declarou em 28 de janeiro que a negociação com os EUA para a entrega de mísseis de longo alcance incluía de fato o objetivo de atacar alvos na Crimeia.
O Pentágono não nega e chegou a afirmar que os EUA deixam a critério da Ucrânia a possibilidade de usar os projéteis de longo alcance para ataques na Crimeia.
O analista do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, observa que atualmente a Crimeia não é vista pela comunidade internacional como outras regiões ocupadas pela Rússia. Ou seja, mesmo sem reconhecer a Crimeia como território russo após a anexação em 2014, nunca houve um apoio explícito do Ocidente para que a Ucrânia buscasse retomar a região militarmente. De acordo com Ignatov, Kiev busca agora mesclar a Crimeia e a questão de Donbass.
– Agora, com a guerra, não há mais muita separação entre esses dois temas. Se a Ucrânia tiver a possibilidade de realizar um ataque e fazer uma incursão na Crimeia, ninguém vai interrompê-la. Se a Ucrânia tiver condições e possibilidades para isso, ninguém vai dizer para ela parar – declarou.
O analista aponta, no entanto, que o problema da Crimeia pode ser atualizado apenas no caso de a Rússia parar suas operações de guerra. Ou seja, de fato demonstrar vontade de manter a Crimeia e estar disposta a entrar em acordo sobre outras regiões. Mas, para isso, Moscou “teria que concordar em entregar o que anexou” no leste da Ucrânia durante a guerra.
– A própria Rússia deve entender que se ela quiser defender a Crimeia, ela precisa entregar outros territórios. Se à Rússia for colocada essa escolha, então o tema da Crimeia pode retornar. E é possível que a Ucrânia também queira isso, por isso ela se esforça tanto em fazer ameaças à Crimeia. Eles querem buscar criar uma situação na qual a Rússia entenda que não pode defender a Crimeia – completa.