Rio de Janeiro, 16 de Março de 2025

A “desertificação” do Brasil

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Terça, 22 de Outubro de 2019 às 10:42, por: CdB

Os períodos de chuvas favoráveis mantém as pessoas no campo e geram alguma reserva; já os períodos de estiagem consomem toda a reserva acumulada. E em condições de seca muito severa, correntes migratórias partem para outras regiões do país, como é notório desde o início do século XX.

 
Por Rodolfo Coelho Prates - de Curitiba
  Em 2005, o governo federal iniciou a grandiosa obra de transposição do Rio São Francisco para levar água às regiões setentrionais do nordeste. A condição climática no semiárido nordestino é extremamente complexa, pois alterna períodos de chuvas e longos períodos de estiagem, afetando principalmente os produtores rurais.
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Trechos inteiros da transposição do Rio São Francisco estão destruídos
Essa alternância resulta na característica de que a região não é tão seca a ponto de expulsar definitivamente as pessoas, e tampouco é úmida suficiente para gerar prosperidade econômica por meio das atividades agropecuárias. Os períodos de chuvas favoráveis mantém as pessoas no campo e geram alguma reserva; já os períodos de estiagem consomem toda a reserva acumulada. E em condições de seca muito severa, correntes migratórias partem para outras regiões do país, como é notório desde o início do século XX. No saldo, as famílias que permanecem no sertão ficam reféns da seca e da miséria.

Centro-Oeste

Após inaugurações apressadas, a obra de transposição está em ruínas, e o que seria uma medida para acabar com a “indústria da seca” e para implantar um novo modelo econômico na região tornou-se mais um dos grandes exemplos de ineficiência e má gestão dos recursos públicos: a transposição do São Francisco definha, e isso secou também o sonho de milhões de pessoas que almejavam com a obra uma vida mais próspera. E pelo visto o problema não será resolvido facilmente. A despeito do que ocorre no sertão nordestino, estamos assistindo a um efeito de ampliação de extensas áreas de seca no Brasil, pois largas extensões territoriais estão se tornando mais áridas. E diferentemente do que ocorre no nordeste, em que a própria natureza moldou a aridez da região, a ampliação de regiões áridas em outras partes do Brasil é fruto da intervenção direta do homem sobre os processos naturais. E dentre esses processos, destaca-se amplamente o desmatamento das regiões Centro-Oeste e Norte, onde estão localizados os biomas do cerrado e da floresta amazônica. Como é de amplo conhecimento não somente da comunidade acadêmica, a presença de florestas é fundamental para que a umidade proveniente da Amazônia, também chamada de rios voadores, alcance áreas ao sul do Brasil, tanto nas regiões centro-oeste, sudeste e sul, como também alcance outras partes do território sul-americano. O desmatamento desenfreado da floresta amazônica sem nenhum tipo de planejamento e ordenamento territorial está comprometendo o fluxo natural de umidade. Com esse comprometimento, extensas áreas estão mais propensas à estiagem, prejudicando todo o sistema econômico já instalado e consolidado, como o agropecuário, a geração de energia, o transporte hidroviários e os sistemas de saneamento, por exemplo.

Transtornos

E ao contrário de discursos atuais, não há falácias sobre o que vem acontecendo na Amazônia: ela está sim em perigo e corre o risco de ser extinta nas próximas décadas – além de inviabilizar economicamente outras regiões do Brasil por conta da estiagem, tornando essas regiões semelhantes ao que acontece no sertão nordestino. Sem água, uma das grandes fontes de riqueza econômica desse país, a atividade agropecuária, estará severamente comprometida. Grande parte da população deve-se lembrar dos transtornos ocorridos em 2015 e 2016 em várias regiões do Brasil, mas em especial no sudeste, que viveu a maior crise hídrica de sua história, afetando milhões de pessoas. É certo que crises hídricas irão retornar com mais frequência e severidade caso o desmatamento continue. E é nesse aspecto que deve haver a mobilização dos diversos setores sociais do Brasil para combatermos um eminente desastre ambiental e, por decorrência, uma tragédia social. Portanto, a prosperidade brasileira depende essencialmente da manutenção dos serviços ambientais gerados pela floresta amazônica, sem a qual o semiárido ocupará grandes extensões do território brasileiro e mais pessoas estarão atadas à miséria. *Rodolfo Coelho Prates é doutor em Economia e professor do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
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