Desde julho de 2015, quando a Selic passou de 13,75% para 14,25% ao ano, a autoridade monetária vinha mantendo o parâmetro. Os juros estavam em seu patamar mínimo histórico — 2% ao ano — desde agosto do ano passado, ainda na esteira das preocupações sobre os efeitos do coronavírus no Brasil e no mundo.
Por Redação - de Brasília
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu, pela primeira vez em seis anos, elevar a taxa básica de juros do país (Selic), nesta quinta-feira, e não economizou na opção. Por unanimidade, o BC adicionou 0,75 ponto percentual à taxa, que passa a 2,75% ao ano.
Desde julho de 2015, quando a Selic passou de 13,75% para 14,25% ao ano, a autoridade monetária vinha mantendo o parâmetro. Os juros estavam em seu patamar mínimo histórico — 2% ao ano — desde agosto do ano passado, ainda na esteira das preocupações sobre os efeitos do coronavírus no Brasil e no mundo. Foram quatro reuniões do Copom sem mexidas na Selic até o reajuste anunciado no início desta noite.
Os principais porta-vozes do mercado financeiro apostavam numa elevação de até 0,5 ponto percentual, mas foram surpreendidos com o aumento 0,25 pontos superior. A expectativa da autoridade monetária é tentar “acalmar” os investidores quanto às perspectivas de aumento de inflação no médio prazo.
Crédito
Na atual realidade, no entanto, em que a atividade econômica encontra-se combalida em função dos efeitos da pandemia e da inação do governo federal, esse remédio amargo pode debilitar ainda mais o paciente, sem atacar, de fato, a origem da doença, avaliam analistas.
De acordo com o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a elevação da taxa de juros, nesse momento, seria uma espécie de “cloroquina econômica”. Não só não vai ter impacto na trajetória da inflação, como vai deteriorar o quadro fiscal, uma vez que a correção da Selic vai impactar diretamente no custo do financiamento da dívida pública.
A vida dos empresários também tende a ficar mais difícil com o novo aumento dos juros básicos, por conta do encarecimento do crédito. Com empréstimos mais caros, manter ou ampliar os negócios fica ainda mais complicado, com impactos inclusive para o emprego. Na mesma linha, as famílias também devem sofrer, pois pagarão mais em caso de endividamento.
Curto prazo
O principal motivo que faz Roncaglia acreditar que a subida da taxa de juros não alcançará o efeito pretendido são as causas do atual surto inflacionário. Diferentemente de quando a economia está aquecida e há aumento da demanda por produtos e serviços, a aceleração dos preços nesse momento se deve a um “choque de oferta” ou por “fatores externos”. O choque de oferta se dá em função da própria pandemia, que desorganizou as cadeias produtivas, no Brasil e no mundo.
Dentre os fatores externos, o economista destaca a volatilidade cambial, com a desvalorização do real frente ao dólar.
— A economia brasileira está com um nível de ociosidade muito elevado. O setor de serviços, que representa sete em cada dez reais produzidos, ainda está muito paralisado por conta da pandemia. Inclusive diversas cidades estão adotando medidas ainda mais restritivas. Então, a elevação do juro nesse momento torna muito mais difícil a recuperação da economia — afirmou.
Ainda segundo Roncaglia, “ao subir o juro de curto prazo, o BC está onerando, tornando mais caro o pagamento de serviços de juros da dívida pública, que só no ano passado teve uma elevação de 14%, saindo de 75% para quase 90% do PIB”.
Títulos dos EUA
Já o impacto direto sobre o câmbio, Roncaglia prevê que será “muito modesto”. Ele atribuiu essa volatilidade não apenas à incapacidade do governo federal em conter a pandemia. As pautas ambiental e de direitos humanos também preocupam os investidores.
Ou seja, apesar do aumento da liquidez nos mercados desenvolvidos, os investidores estão preferindo apostar em títulos do governo dos Estados Unidos.
— Ninguém está querendo colocar dinheiro em outros lugares, principalmente num país que não consegue sair da pandemia — concluiu.